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Pobres e ‘mulas’: os três jovens de Foz do Iguaçu presos com cocaína no Egito

egito

André era motoboy e vivia com a mãe, empregada doméstica, com quem se encontrava só aos domingos, quando ela tinha folga. Lucas também pouco via o pai, caminhoneiro, que passava dias viajando. Cezar era gari e o padrasto disse tê-lo visto poucas vezes nos últimos tempos, já que ele voltava para casa apenas para trocar de roupa.

Os três têm idade por volta dos 20 anos, e são da cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná. Foram detidos, separadamente, no Egito, acusados de tráfico de drogas. Carregavam entre 2 kg e 3,5 kg de cocaína cada. As informações são da BBC BRASIL.com.

A semelhança dos casos, ocorridos entre maio e setembro, levantou a suspeita de que aliciadores poderiam estar atuando na cidade paranaense para recrutar jovens pobres como “mulas” para o transporte de drogas.

A BBC Brasil obteve detalhes com os familiares e fontes com conhecimento dos casos que pediram anonimato. A Polícia Federal brasileira disse que as informações são “classificadas”. O Itamaraty informou ser “crescente” o número de brasileiros detidos no exterior com drogas.

Traficantes podem ser condenados à pena de morte no Egito – onde as execuções são por enforcamento. Mas as execuções, nestes casos, raramente são aplicadas, segundo o grupo Anistia Internacional.

Os casos ocorrem após dois brasileiros terem sido executados por fuzilamento na Indonésia neste ano. Ambos foram condenados por tráfico de drogas e passaram dez anos no corredor da morte do país.

‘Eu quero que ele pague’
Foz do Iguaçu fica na tríplice fronteira de Brasil, Argentina e Paraguai, e é conhecida rota do tráfico internacional de drogas.

Grupos aproveitam a fiscalização deficiente e a porosidade da fronteira para escoar a produção de países como Peru, Bolívia e Colômbia, disse outra fonte com conhecimento dos casos. Na cidade, aliciadores identificariam jovens dispostos a fazer o tráfico em troca de dinheiro.

Foz tem, ainda, uma das maiores comunidades de descendentes de árabes no Brasil.

O roteiro parece comum nestes três casos: jovens pobres com aparência que, inicialmente, não levantaria suspeita.

Para os pais, a surpresa não foi apenas com a prisão dos filhos: disseram que sequer sabiam que eles tinham passaporte.

Lucas Stormoski, de 19 anos, viajou de Foz do Iguaçu a São Paulo, de onde embarcou para o Egito via Etiópia levando 3,5 kg de cocaína. Foi preso em 4 de setembro ao desembarcar no aeroporto internacional do Cairo.

A droga estava amarrada nas coxas e o jovem usava uma calça larga para esconder o volume. Lucas teria dito acreditar que transportava pílulas anabolizantes, e que seu aliciador havia afirmado que nada lhe aconteceria.

O caso veio à tona após ele ser entrevistado por um canal de televisão egípcio. Afirmou que precisava de dinheiro e que a oferta “chegou do nada”. Receberia R$ 12 mil. Disse que, anteriormente, tinha viajado apenas a Paraguai e Argentina e, emocionado, pediu perdão à família.

Lucas, que não trabalhava, morava com o pai, Wilson. Ainda não conversaram, por recusa do jovem. O pai disse desconhecer que o filho tivesse envolvimento com drogas, e que ele teria sido “iludido”. “Foi a oferta de dinheiro fácil”, disse ele por telefone.

“Quero muito falar com ele, mas ele não quer falar comigo. Ele não era do descaminho… Ele estava desiludido”.

“Eu quero que ele pague. Nunca passei a mão na cabeça, mas também não vou virar as costas para ele”, disse. “Eu viajo muito. Já voltei a trabalhar, não posso parar. Eu não sei nem ligar um computador. Não há chance de eu pagar advogado, nem ir para lá”.

‘Parecia um zumbi’
Uma semana antes, Cezar de Melo, de 23 anos, saía de Foz do Iguaçu rumo a São Paulo e, então, ao Cairo também pela Etiópia. Levava 2 kg de cocaína. Foi preso no aeroporto em 24 de agosto.

A rota entre São Paulo e Adis Abeba, na Etiópia, seria visada por evitar conexões na Europa e escapar da fiscalização rigorosa destes países.

O último trabalho de Cezar havia sido como gari. Nunca saíra do Brasil. Tinha histórico de dependência química e, recentemente, deixou um tratamento após ter contraído tuberculose, segundo o padrasto, Airton, agente fiscal.

“Ele estava bem (depois do tratamento) mas, de repente, voltou a usar drogas, e apareceu com um passaporte. Tenho certeza que foi aliciado, e deve ser o mesmo grupo”, disse, por telefone.

“Ele disse que estava perdido, no fundo do poço… Nos últimos dias ele vivia fora, só voltava para trocar de roupa. Parecia um zumbi. Eu ouvi ele dizer: ‘tenho que ficar bem para viajar, preciso estar bonito'”.

Cezar teria admitido conhecimento da droga, e que receberia US$ 7 mil (cerca de R$ 27 mil) para fazer a entrega. Em conversa com o pai por telefone, em agosto, disse que estava sendo bem tratado, mas não deu detalhes sobre sua prisão.

A família contratou um advogado, que acompanha o caso em Foz do Iguaçu.

Outra coincidência entre Lucas e Cezar: ambos teriam retirado o passaporte em Assunção, no Paraguai.

‘Cai dura’
André Victor Guimarães dos Santos, de 26 anos, era motoboy. Chegou ao Cairo via Doha, no Catar. Foi detido em 10 de maio, após autoridades encontrarem 3 kg de cocaína em sua bagagem. Reconheceu ser dono da mala e roupas, mas negou que a droga era sua.

Em Foz, morava com a mãe, Dolores, empregada doméstica, que também disse desconhecer qualquer envolvimento do filho com drogas. “Se ele fez isso de errado, foi de ‘mula'”, disse.

“Quando soube, cai dura na hora. Não sabia de nada. Nunca tinha visto nem passaporte dele”. Até agora não conversaram, disse. À exceção de idas ao Paraguai, Santos nunca tinha saído ao Brasil, segundo a mãe.

“Só nos víamos aos domingos, quando era minha folga e almoçávamos juntos. Ele sempre foi uma pessoa muito calada”.

Dolores, emocionada, diz que “doeu” ao ler que o filho poderia ser condenado à morte. “Ele precisa pagar, mas não com a vida”. Um advogado amigo da família está acompanhando o caso, no Brasil.

Outros dois brasileiros estão presos no Egito por tráfico: a doméstica Erika dos Santos Oliveira, de 23 anos. Detida no aeroporto do Cairo em 13 de maio, confessou ter conhecimento dos 3 kg de cocaína que levava entre as pernas. Disse que recebeu a oferta em São Paulo.

E Ednaldo Bruno Filho, de 30 anos, de Corumbá (MS). Foi preso no Cairo em outubro do ano passado enquanto entregava 1,3 kg de cocaína. Este é o único caso com audiência marcada, para outubro. Nos demais casos, os processos estão em andamento.

O Itamaraty informou que todos estão recebendo assistência consular e que não é comum o pagamento de advogados para a defesa de brasileiros no exterior.

Segundo o ministério, é “crescente” o número de prisões de brasileiros no exterior “atuando como ‘mulas'”.

“Parece que todos esses casos são de ‘mulas’. Foz do Iguaçu não é uma das fronteiras mais tranquilas. Agora, se é mera coincidência, isso não vai ser rapidamente resolvido”, disse à BBC Brasil o subsecretário-geral de comunidades brasileiras do Itamaraty, Carlos Alberto Simas Magalhães.

A Anistia Internacional diz que 14 execuções foram realizadas neste ano no Egito, a maioria por assassinato ou assassinato ligado a roubo ou estupro. E, apesar de condenações à morte terem sido imputadas em casos relacionados a drogas, nenhuma execução foi realizada.