Antonio Figueiredo Basto, advogado do doleiro que virou Brasília de cabeça para baixo revela: gosta mais do confronto do que da delação
Kelli Kadanus, Gazeta do Povo
Brasília está de cabeça para baixo – e nisso há um dedo do advogado Antônio Figueiredo Basto. Foi ele quem negociou a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos personagens centrais do escândalo. E quando Youssef falou, foi possível para a polícia e para os procuradores pegar o fio da meada.
A delação foi contestada, mas Figueiredo Basto conseguiu que ela se sustentasse. O problema apontado no meio jurídico tinha a ver com a legitimidade do acordo a ser fechado.
Muita gente dizia que Youssef não podia ser beneficiado por nova delação já que anos antes havia fechado acordo do mesmo gênero se comprometendo a não mais cometer crimes. O que, evidentemente, não funcionou.
O curioso é que embora tenha ficado famoso em boa medida com as delações ( foi ele quem negociou a primeira de Youssef, na época em que o instrumento era inédito no país), Figueiredo Basto diz preferir outro tipo de ação: aquela que exige confronto.
E é pelo gosto do confronto, do debate, que ele diz sentir uma saudade tremenda de seu tempo no Tribunal do Júri. Pós-graduado em ciências criminais, Basto contabiliza 148 defesas no Júri. “Se você perguntar o que me dá mais prazer, os processos da Lava Jato – que são interessantíssimos – ou os processos de júri, eu não teria muita dificuldade: voltaria para o júri correndo”, diz.
A paixão
O gosto pelo direito criminal veio cedo. “A advocacia criminal surgiu para mim no terceiro ano da faculdade, quando li o livro de Evandro Nunes e Silva ‘Com a palavra, a defesa’. Me encantou e eu disse ‘é isso que eu quero fazer’.”
Histórias para contar do Júri não faltam. “Lembro de ter tido brigas homéricas. Fizemos júris em que fomos parar dentro de motel para fazer diligência. Lembro de pelo menos quatro vezes ter levado voz de prisão em plenário aqui em Curitiba, por combates extremamente acirrados”, conta.
Entre os casos em que atuou no Júri estão processos conhecidos, como o das “Bruxas de Guaratuba”, crime que ocorreu em 1992 no litoral do estado e envolveu um suposto ritual de magia negra; e o julgamento de Caboclinho, envolvendo um assassinato motivado por rivalidade de quadrilhas de desmanche de veículos. “O Júri é uma escola maravilhosa. O verdadeiro advogado criminal é o que faz bem o júri”, opina Basto.
Youssef
A relação profissional com Youssef vem de longa data, quando o advogado começou a atuar na área de crimes financeiros, em 1998. De lá pra cá, foi responsável pela defesa do doleiro nos casos Ama/Comurb, em Londrina, e no famoso caso Banestado
Desde que deixou de atuar no Tribunal de Júri, Basto acumula vasta atuação na Justiça Federal. “Assumi a defesa de outros grandes operadores de câmbio no Brasil”, diz. Entre as maiores operações das quais participou estão Satiagraha, Miqueias e Mensalão.
O advogado também é responsável pela defesa de políticos como o ex-vereador João Cláudio Derosso e o governador Beto Richa. Basto tem o cuidado de deixar claro, porém, que não mistura relações profissionais com amizades pessoais. “Não sou uma pessoa sociável”, afirma.
Academia
Apesar de ter sido professor da Unicuritiba por cinco anos, Basto não se considera um fã da academia. “Gosto muito mais do realismo do que da tese.” E completa: “O homem jurídico é um chato, um pernóstico e um vaidoso”.
O advogado defende que além do conhecimento técnico é importante ser bom em estratégia. “Não adianta ter grande conhecimento técnico se você não consegue se mexer no campo de batalha.”
Apesar de fugir de teorias jurídicas, Basto garante que é um apaixonado pela literatura. Entre seus autores favoritos cita Jorge Luís Borges, Mario Vargas Llosa, Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Umberto Eco e Manuel Bandeira. “A literatura me faz muito bem”, diz.
Referências
Entre as referências profissionais, o criminalista cita o advogado Ronaldo Botelho. “Foi o maior advogado que vi”, diz.
Na Lava Jato, ele destaca o trabalho de Alberto Toron. “Ele é hoje o príncipe da advocacia criminal no Brasil. É inteligentíssimo”, garante Basto.
Garantismo torna Justiça brasileira “perversa”
Entre as bandeiras defendidas por Basto está o fim do excesso do “garantismo” no processo penal. “Nós temos um processo penal muito moroso e paralisado. A função do advogado não é só defender a qualquer custo. O excesso de garantismo para mim é tão perverso, ou mais perverso, quanto a falta de garantismo”, diz.
“Ficar abarrotando tribunais com teses que não dão resultado nenhum para mim é absolutamente contraproducente e não sei se o cliente ficaria satisfeito com isso: processos demorados, processos que atuam muito mais contra o cliente, porque o réu fica anos pendurado na Justiça na esperança vã de uma prescrição. Essa Justiça não serve a ninguém. Ela não serve nem à sociedade e nem ao acusado, que fica pagando por um processo. Os advogados se cansam do processo e no fim isso se resume a uma tragédia”, argumenta. “O acusado tem que cumprir pena por um longo período. Ou então se ele consegue a prescrição a impunidade acaba imperando, com enorme prejuízo à sociedade. Esse modelo de processo penal para mim não satisfaz. Estou convicto de que isso precisa mudar. Claro que tendo como marco as garantias individuais”, ressalta.
Sem debate
Para o advogado, a discussão sobre processo penal só vêm à tona quando há casos de grande clamor, como a Lava Jato, em que grandes empresários, agentes públicos e políticos estão no centro de ações penais. “Só se importam com processo, só discutem processo onde existe clamor. Ou porque o réu ou a vítima é uma pessoa socialmente importante”, afirma.
“A maioria das pessoas que você vai conhecer na sua vida nunca vai se envolver com a Justiça Criminal, mas elas têm o direito de ver a eficácia de julgamentos criminais daqueles que infelizmente se envolveram com processos criminais”, ressalta o criminalista.
O advogado tem uma convicção. “O desafio do advogado é se adaptar aos tempos”, diz Basto.
Basto defende delação e diz que “não há traição entre bandidos”
Recentemente o nome de Figueiredo Basto voltou à mídia por sua atuação na Lava Jato. O advogado esteve no centro de uma das grandes polêmicas da operação: o novo acordo de colaboração premiada do doleiro Alberto Youssef. O acordo é alvo de contestação de outros advogados do caso, que alegam que a delação não poderia ser feita já que Youssef quebrou o acordo anterior, feito durante o caso Banestado, em que se comprometeu a não praticar novos crimes.
Essa não é a primeira vez que Basto está no centro de uma polêmica envolvendo a colaboração premiada. A primeira vez foi já em 2003, quando o advogado foi o responsável pela negociação do primeiro acordo de colaboração realizado no Brasil, que também teve como delator o doleiro Alberto Youssef.
“Foi uma decisão muito difícil na época porque era uma coisa nova”, lembra. “Foi um desafio. Nós fizemos o primeiro grande acordo de colaboração que é o modelo que se segue hoje”, afirma.
Justiça negociada
Basto diz acreditar que a justiça negociada é uma realidade que veio para ficar. “A colaboração é moderna, ela é boa e não traz prejuízo legal a ninguém. Pelo contrário, você dá ao acusado a chance de negociar sua sorte, saber o seu destino desde o início do processo. Não fica um jogo de cartas, um jogo escuro”, argumenta.
Atualmente Basto defende outros quatro delatores da Lava Jato: o executivo Julio Camargo, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, o dono da UTC Ricardo Pessoa e o ex-gerente da Petrobras Eduardo Musa. O advogado é duro ao rebater as críticas que recebe por conta dos acordos. “Fico pensando porque essa gritaria nunca veio antes. Quando a lei da colaboração foi homologada não vi nenhuma dessas vozes se levantar. Depois que ela foi aplicada na prática a poderosos todo mundo quis brigar, mas antes não”, diz.
Sem traição
Basto defende que no processo seja possível dar sempre a melhor condição ao cliente, sem se preocupar com danos colaterais. “O ambiente do crime é um ambiente negativo sempre. Não há amizade entre criminosos, há interesses subalternos para atingir determinados bens jurídicos. Nesse processo da Lava Jato ninguém é amigo. Ninguém se reunia, ia na casa do outro comer um churrasco, tinha laços de irmandade. Não é uma fraternidade entre criminosos, isso é mentira. A vantagem da colaboração é exatamente romper com a intimidação e a corrupção e desagregar a organização criminosa. O Estado tem o direito de fazer isso”, diz. “Não há nenhum valor relevante sendo traído. Não há traição entre bandidos. Isso é um negócio e bandidos estão acostumados a negociatas.”
Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
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