Daniel Haidar, Época
Ainda sob a penumbra da manhã de inverno, oito homens do Grupo de Pronta Intervenção da Polícia Federal, equipe com uniformes camuflados especializada em controle de distúrbios, cercaram a sede do Partido dos Trabalhadores, em São Paulo.
Os agentes remexeram gavetas, apreenderam computadores e saíram com caixas de documentos. A ação só foi possível porque, meses antes, um petista envolvido na Lava Jato resolveu falar. Em delação premiada homologada em março pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, o ex-vereador de Americana, em São Paulo, Alexandre Romano, o Chambinho, contou o que sabe e se tornou o primeiro integrante do PT, partido notório pela lealdade de seus membros, a colaborar com as investigações. A busca e apreensão na sede do PT na quinta-feira (23) era parte da Operação Custo Brasil, um desdobramento da Lava Jato que corre em São Paulo.
Em quatro Estados e no Distrito Federal, 11 mandados de prisão preventiva foram expedidos. Oito suspeitos foram presos – o mais rumoroso deles, em Brasília. Os agentes da Polícia Federal entraram em um prédio destinado a senadores da República. Na volta da academia, o senador Aloysio Nunes, do PSDB, estranhou policiais na entrada. Eles tinham acabado de prender o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, no apartamento funcional de sua mulher, a senadora petista Gleisi Hoffmann. Magro e abatido, Bernardo foi transferido para São Paulo ainda naquela noite.
Bernardo é suspeito de participar de uma fraude que desviou cerca de R$ 100 milhões do Ministério do Planejamento durante sua gestão, num esquema que vigorou entre 2010 e 2015. A Polícia Federal desvendou os detalhes a partir dos depoimentos de Chambinho e da grande quantidade de provas que ele providenciou, além de relatos do ex-senador Delcídio do Amaral, outro petista que optou por delatar, que robusteceram a história. Delcídio contou que Bernardo beneficiava a empresa envolvida na fraude no Planejamento desde os tempos em que fora secretário no governo de Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul.
De acordo com as investigações, Bernardo direcionou a contratação da empresa Consist Software para gerir o sistema de crédito consignado na folha de pagamentos de funcionários públicos federais. Cerca de 70% do valor do contrato assinado com a Consist, de R$ 140 milhões anuais, eram repassados a beneficiários do esquema. Desses 70%, Bernardo, então ministro do Planejamento, se beneficiava de 9,5%. Segundo Chambinho, Bernardo foi gradualmente rebaixado a partir de 2011.
Quando trocou o Planejamento pelo Ministério das Comunicações, sua parcela de propina foi reduzida à metade. Em 2012, caiu para 2,9%, menos de um terço do inicial. Para repassar a propina a Bernardo, a Consist assinava contratos com empresas ligadas a Chambinho, ao lobista Milton Pascowitch e ao advogado Guilherme Gonçalves, que assessorou campanhas de Bernardo. Para o escritório de Gonçalves foram R$ 7 milhões.
O esquema no Ministério do Planejamento foi descoberto na Operação Pixuleco 2, a 18ª fase da Lava Jato. O caso foi transferido para a Justiça Federal em São Paulo por decisão do Supremo. A parte da investigação relativa à senadora Gleisi Hoffmann, que tem foro privilegiado, está com o ministro Dias Toffoli no Supremo. Há mais de um ano Bernardo convivia com o pavor de ser preso. Por causa da investigação, no ano passado ele perdeu a chance de ser indicado a um cargo na hidrelétrica Itaipu Binacional pela presidente Dilma Rousseff. O ex-ministro da Previdência Carlos Gabas também foi alvo da operação, com uma ordem de condução coercitiva. Gabas é investigado porque há indícios de que interveio junto a Bernardo para que a Consist fosse contratada. Segundo a investigação, o PT também era beneficiário direto do esquema e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso desde 2015, coordenou a distribuição dos R$ 100 milhões.
A prisão de Bernardo em um prédio onde moram vários senadores mexeu com os brios de políticos de todos os tons partidários em Brasília. “É um fato doloroso. Vi hoje uma declaração da senadora Glesi de que ele foi detido na frente dos filhos, então, quero publicamente lamentar o fato”, disse o presidente interino, Michel Temer. O Senado protocolou uma reclamação no Supremo, na qual pede a anulação da busca e apreensão. Argumenta que o juiz Paulo Bueno de Azevedo “usurpou” a competência do Supremo, embora o alvo fosse o ex-ministro, não sua mulher. Apesar de miúdo, Alexandre Romano provou que tinha conhecimento de gente grande.
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