A obra de adequação da Arena da Baixada para a Copa do Mundo de 2014 teve valor final de R$ 397.056.191,35, de acordo com laudo pericial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicado nesta quinta-feira (9).
O parecer, resultado da antecipação de produção de provas pedida pelo Athletico – deferida ainda em 2018 pela 4.ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba –, também diz que as duas primeiras estimativas de orçamento da reforma não eram realistas. O primeiro valor apontado no acordo tripartite entre governo estadual, prefeitura municipal e Athletico (Convênio 19.275/2010) foi de R$ 135 milhões. No aditivo contratual de 2012 a quantia saltou para R$ 184,6 milhões.
O relatório de 50 páginas entitulado “Análise de conformidade dos efetivos custos da reforma e ampliação do Estádio Joaquim Américo Guimarães e Centro de Imprensa” aponta ainda que não é possível inferir que o aumento do custo efetivo da reforma foi de responsabilidade da CAP S/A, empresa criada pelo clube para gerir a obra. Descarta também que tenha havido prática de sobrepreço ou superfaturamento.
“O principal elemento que ocasionou o aumento dos custos e do prazo de duração da reforma do Estádio foi a alteração do projeto relativa ao aumento da capacidade de público do estádio, como explicitado na resposta ao Quesito CAP7”, destaca o laudo da FGV, produzido entre agosto de 2019 e abril de 2020.
Sobre o atraso para a entrega do estádio, originalmente prevista para 31 de dezembro de 2012, a perícia considera que os repasses tardios da Fomento Paraná, principal fonte de recursos do empreendimento, tiveram impacto negativo de fluxo de caixa. Além de reduzir o ritmo da obra, o fato também gerou incerteza nos fornecedores, “com prejuízo na produtividade dos trabalhos, bem como a ocorrência de greve dos trabalhadores por atrasos de pagamento de salários”.
Dois valores
Apesar de apontar o custo do estádio em R$ 397 milhões (até o fim ano fiscal de 2014), a FGV também cita no laudo outro número como preço final, apresentado pela CAP S/A: R$ 342.645.053,24.
Segundo o Athletico, a diferença (R$ 54.411.138,11) existe porque a cifra maior contempla também despesas que não são consideradas gastos diretos com as obras do acordo tripartite. Entre elas, despesas financeiras e judiciais, da reforma no setor Brasílio Itiberê (pré-obra da Copa) e da implantação do teto retrátil. O montante foi todo bancado pelo clube e nunca pleiteado no processo judicial, enfatiza o clube.
“Sobre os valores da reforma da Arena, a FGV ressalta que a auditoria dos gastos não fez parte do escopo da perícia e que “não foi possível estabelecer relação direta entre os gastos registrados na contabilidade e os custos estimados nos projetos de engenharia”.
Ao mesmo tempo, o estudo ressalta que o estádio paranaense teve o segundo menor custo entre os 12 utilizados no Mundial, atrás apenas do repaginado Beira-Rio, localizado em Porto Alegre.
Irregularidades
O laudo pericial é composto por 31 questões formuladas pelas partes do acordo tripartite. Nos 16 pontos citados por governo e município estão destacadas irregularidades técnicas cometidas durante a obra na Baixada ou cláusulas descumpridas da matriz do convênio.
Segundo a FGV, todos os 14 relatórios emitidos pela Comissão de Fiscalização da Copa 2014 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), apontam irregularidades. Porém, o estudo foca em quatro deles, relacionados à reforma do estádio e obras no CT do Caju.
Dos 16 apontamentos, nove não foram comprovados por “insuficiência da documentação disponibilizada”. Por outro lado, sete foram confirmados pela perícia.
Impossibilidade de análise de orçamento sintético de R$ 184.600.000,00 contendo 52 itens com valores globais (pág. 28 do relatório 7).
Cerca de 6% do total do orçamento detalhado apresentava itens quantificados como verba, cuja especificação ou quantificação são insuficientes para fins de orçamento, prejudicando a análise (pág. 29 do relatório 7).
O Município de Curitiba promoveu as desapropriações dos imóveis no entorno do estádio, conforme previsto no acordo tripartite, mas não foi ressarcido pelo CAP através de permuta por área de valor equivalente até 31-dez-14, prazo limite previsto, sendo que o Município de Curitiba não tomou as providências em prazos adequados, para que o CAP S/A viabilizasse tal ressarcimento (pág. 13 do relatório 13).
A cessão de cotas de potencial construtivo atingiu 236.537,37 cotas no valor total de R$155.026.592,30, sendo que foram efetivamente comercializadas 35.330 unidades no valor total de R$ 21.938.497,77 (pág. 15 do relatório 13).
Implantação de estrutura provisória destinada a abrigar o Centro de Mídia, decorrente da não conclusão do Edifício Centro de Imprensa, cujos custos desta instalação provisória não integravam o valor contido nos diversos orçamentos do empreendimento e que foram suportados pelo Município de Curitiba (pág. 47 do relatório 13).
Quanto ao percentual de avanço das obras em dez-14, a Comissão do TCE considera que o percentual de avanço de obra é inferior ao apresentado por fontes ligadas ao empreendimento (99% concluído), em razão dos inúmeros serviços não executados ou concluídos até aquela data, com destaque para o Centro de Imprensa, conforme registro fotográfico anexado (pág. 47 do relatório 13).
O Estado do Paraná não repassou ao Município de Curitiba, a integralidade do valor acordado. A CAP SA, por sua vez, não ressarciu, como previsto, o Município de Curitiba pelo valor gasto com a desapropriação de terrenos necessários à execução do empreendimento (pág. 60 do relatório 13).
“Sobre as obrigações não cumpridas por parte do Athletico, a FGV sinaliza que o clube não cumpriu integralmente três itens do convênio e seus aditivos.
Atender ao prazo de conclusão de obras de 31-dez-2012;
Observar as disposições do plano de trabalho e, em especial o cronograma físico-financeiro (anexo C do termo aditivo) na execução e conclusão do projeto aprovado peloComitê Organizador Local; e
Efetuar o ressarcimento do Município em relação aos imóveis constantes do Decreto Municipal no 1957/2011, até 31 de dezembro de 2014, através de permuta por área de valor equivalente, de acordo com o interesse e opção do Município e conforme avaliação da Comissão de Avaliação de Imóveis do Município de Curitiba.Além destas obrigações, o próprio Centro de Imprensa integrante do objeto do Convênio, previsto para ser implantado em um edifício anexo ao Estádio, não foi concluído a tempo da realização da Copa do Mundo, estando ainda inconcluso no ano corrente.
Ao responder questionamento do município, por outro lado, o laudo especifica que a CAP S/A deixou de informar oficialmente – nas atas das reuniões da Comissão Municipal e Estadual de Acompanhamento da Obra do Estádio – sobre o novo orçamento apresentado para a reforma.
Isso aconteceu três vezes, entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro de 2014. Os valores em questão eram de R$ 319 milhões e R$ 330 milhões.
Futuro
De acordo com o advogado do Athletico, Luiz Fernando Pereira, o laudo pericial da FGV endossa a tese que o clube sempre defendeu nos quase seis anos em que a questão está na Justiça. Ele acredita que a peça põe fim às dúvidas quanto ao direito do Athletico a ter o tripartite cumprido pelo estado e pelo município.
“Era o Athletico que dizia assim, que os preços eram irreais, que eram estimativas. Não tinha um nível de projeto suficiente para um valor final e houve uma série de pedidos de alteração da Fifa. Como o clube pode bancar sozinho se isso era um compromisso antes até da entrada do Athletico na cena da Copa do Mundo?”, declara.
A ideia da produção antecipada de provas foi do Estado e do Athletico, ainda no governo anterior. O município não queria produzir essa prova. Resistiu a até quando pode e ainda está recorrendo lá no STJ”, completa.
Em nota, a Procuradoria Geral do Município afirma que se manifestará somente nos autos. “Uma comissão de assistentes técnicos da Prefeitura fará a análise do documento, assim que o município for oficialmente notificado, para poder se manifestar nos autos”.
A partir da divulgação desse laudo, os processos envolvendo as dívidas da reforma da Arena da Baixada devem acelerar. No momento, a ação da Fomento Paraná que cobra do Athletico uma dívida que já passa de R$ 600 milhões (contando juros e multas) tem mediação instalada no Tribunal de Justiça para uma tentativa de acordo.
Esse acordo, no entanto, depende diretamente da discussão do tripartite. O Athletico quer pagar um um terço do custo total da obra. Já o município entende que a divisão correta é a do valor que consta no aditivo do convênio: R$ 184,6 milhões. O motivo alegado diz respeito, principalmente, ao fato de o incremento no orçamento não ter seguido todos os trâmites legais.
O governo estadual, em sua gestão anterior, já se posicionou pela divisão igualitária do total da reforma do estádio.
Foto: Jonathan Campos
Gazeta do Povo
1 Comment