Ederson Hising, O Diário de Maringá
Serviços públicos de qualidade dependem, essencialmente, da capacidade de investimento, em especial dos municípios, que ao longo dos últimos 40 anos viram as obrigações aumentarem e os recursos serem deteriorados. De 1995 a 2014, as 30 cidades que integram a Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense (Amusep) perderam juntas R$ 2,6 bilhões do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de dinheiro de pelo menos 20 cidades da região. Os dados são de um estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O montante perdido representa praticamente metade do que foi recebido de FPM no mesmo período, cerca de R$ 5,3 bilhões. Isso ocorreu, entre outras razoes, porque o governo federal se utilizou de mecanismos de desvinculação de receitas a partir da segunda metade da década de 1990 e ampliou a arrecadação de impostos não compartilhados em detrimento de outros que são divididos entre os entes federados. O FPM hoje é composto por 23,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – em 2016 o porcentual deve chegar a 24,5%.
Desde a Constituição de 1988, os municípios são obrigados a destinar 25% das transferências constitucionais para a Educação. Mais tarde, em 2000, outros 15% são obrigatoriamente para a Saúde. Soma-se a isso uma série de dispositivos legais que minaram as finanças municipais, como o piso salarial dos professores – que teve aumento de 13% neste ano -, piso de agentes de saúde, despesas com custeio de serviços e programas que deveriam ser de competência do Estado e da União, entre outros.
“Podaram nossa capacidade de investir. Com o aumento de obrigações não sobra caixa para cuidar da cidade. Na região, está todo mundo no limite”, avalia o presidente da Amusep e prefeito de Itambé, Antonio Carlos Zampar (PT). Segundo ele, os prefeitos têm segurado os gastos para conseguir bancar a folha de pagamento. “Quem sofre é a população que deixa de ter muitas vezes serviços essenciais”, afirma Zampar.
Para o prefeito de Sarandi, Carlos Alberto de Paula (PDT), as despesas com pessoal e a corrente líquida – água, luz, telefone, combustível e outras – subiram em determinada proporção que inviabilizaram os investimentos. ” A finalidade dos municípios está sendo perdida. Tem prefeito que não tem dinheiro para tapar buraco de rua. O aumento de obrigações engessou os municípios”, diz.
Somente Sarandi perdeu em FPM, nos últimos 20 anos, R$ 227 milhões. De acordo com o prefeito, metade deste total seria suficiente para garantir 100% de saneamento básico e asfalto e ainda construir pelo menos quatro escolas.
Pacto Federativo
Tema da 18ª Marcha dos Prefeitos à Brasília no mês passado, a revisão do Pacto Federativo, que divide recursos e responsabilidades de municípios, Estados e União, tramita em diferentes propostas no Congresso Nacional. Ontem, ocorreu uma audiência pública na Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil) sobre o tema com a a participação de deputados federais e prefeitos.
Para o 1º vice-presidente da Comissão do Pacto Federativo, deputado federal Sérgio Souza (PMDB), o modelo atual não atende mais a realidade e a necessidade dos municípios. “Precisamos ouvir os prefeitos para acatarmos demandas”, aponta.
Segundo a professora da UEL e da PUC-PR, Marlene Kempfer, que proferiu uma palestra na audiência, o Brasil adota hoje um modelo federativo “centrípeto” – em que as ações tendem a fortalecer a União. “Temos uma cultura de centralização do poder que vem da época das capitanias hereditárias”, diz . “Por isso, os municípios hoje não possuem autonomia financeira e ficam de chapéu na mão pedindo recursos para o Governo Federal”.
DESONERAÇÕES DE IMPOSTOS TIRARAM R$ 585 MI DESDE 2008
Não bastasse o aumento de obrigações e o encolhimento das transferências constitucionais, após a crise econômica mundial em 2008, o governo federal adotou uma série de políticas de desonerações de impostos.
No entanto, a maioria delas foram em impostos partilhados com Estados e municípios, como o Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI). A consequência disso foi a falta de recursos financeiros para as cidades.
Entre 2008 e 2014, as 30 cidades da Amusep deixaram de receber R$ 585 milhões por conta das desonerações, conforme dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Se foi mais fácil comprar um carro neste período, com a redução do IPI, por exemplo, ficou mais difícil receber serviços de qualidade da esfera pública, com o engessamento da capacidade de investimento dos municípios. O próprio ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em abril deste ano, admitiu que o governo foi longe demais nas desonerações.
Em 2012, quando o governo federal ainda adotava as renúncias fiscais de IPI, Imposto de Renda (IR), da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para o crédito a pessoa física, o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, as classificou como “bondade com o chapéu alheio”.
FPM extra vai injetar R$ 29 mi na Amusep
Há décadas os prefeitos reivindicam aumento no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Com a promulgação da Emenda Constitucional 84/2014, os municípios receberão parcelas extras do FPM em julho deste ano (0,5%) e em julho de 2016 (1%).Uma estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta que nas 30 cidades da Amusep deverão ser injetados cerca de R$ 29 milhões.
As parcelas extras não resolvem, mas remediam a situação das prefeituras. “Vai ajudar um pouco. Mas o ideal seria ou modificar o Pacto Federativo ou o governo federal assumir as responsabilidades dele”, afirma o presidente da Amusep e prefeito de Itambé, Antonio Carlos Zampar (PT).
O economista François Bremaeker, que comanda o Observatório de Informações Municipais, classifica o aumento de 1% na alíquota do FPM como uma gota d’água frente ao tamanho das responsabilidades financeiras das prefeituras. “Concretamente, o que vai ser formulado no novo pacto pode ser uma grande ilusão. Ele foi desfeito há muitos anos quando deram mais responsabilidades sem recursos aos municípios. A maioria no País vive numa grande penúria financeira”, afirma.
No período de tramitação da proposta de aumento no ano passado, a reivindicação dos prefeitos era de pelo menos 2% de reajuste. “Se o movimento municipalista insistisse nos 2% ficaria sem nada. É melhor ir aos poucos e continuar na batalha, porque sabemos que esse 1% ainda é insuficiente frente ao aumento das responsabilidades”, conta o prefeito de Floresta e presidente da Amusep à época, José Roberto Ruiz (PP).
Deixe um comentário