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Pegadinha e propina na TV Globo

Não há como negar o jornalismo rasteiro da TV Globo neste último domingo, 18, no qual o repórter da emissora, Mauro Faustino, passa por dois meses como gestor de compras de um hospital no Rio de Janeiro.

O repórter para comprovar a tese da pauta do Fantástico – corrupção, corrupção, corrupção -, encenou quatro ou cinco editais de compras emergenciais e convocou empresas interessadas para uma conversa mais de perto.

A modalidade desse tipo de licitação é carta-convite e o  vencedor é  o que oferecer o menor preço numa consulta simples entre três empresas.

Trecho de artigo dos jornalistas Pedro Lichtnow e Zé Beto Maciel, sobre licitações, propina e corrupção. Clique no “mais” e leia sua íntegra O que a Globo fez foi uma espécie de pegadinha que era tão comum no Domingão do Faustão e em programas de apelo popular em outras emissoras. No caso da Globo, a pegadinha de ocasião foi transferida do Faustão para o Fantástico. O que a Globo e ou repórter não deixam claro está neste ponto: foram as empresas que ofereceram a propina?

Pelo que se viu nas gravações, é justamente ao contrário, foi o repórter que pedia de 15% a 20% em cada contrato. Uma das representantes das empresas até falou algo como “meu negócio é pegar o serviço, o que você pede a mais é problema seu”.Ora não se questiona que os representantes das empresas – sócios, gerentes, donos – agiram de forma errada ou criminosa (há controvérsias), mas foi que o repórter que propôs o pedido de propina.

Em resumo básico da pauta udenista da Globo, se pode chegar à seguinte conclusão: uma parte considerável das empresas brasileiras se submete até a pagar propina para prestar qualquer tipo de serviço aos órgãos públicos. Isso, preclaros, como diria o Paulo Martins, todos há muito tempo estão mais do que carecas de saber.

Sobre o assunto propina – tão comum nesse mundão de Deus como se vê logo a seguir -, a Globo pode aproveitar e esclarecer a famosa afirmação do ex-presidente do Corinthians, Andres Sanchez que tascou: “sou amigo da Globo, apesar de ela ser gângster”. A frase de Sanchez também mais indícios de propina – esta motivada pela compra dos direitos na transmissão de partidas de futebol no Brasileirão – do que as pegadinhas que a emissora arma para os mais incautos.

Com raras exceções, a declaração de Sanchez repetida por ele mais de uma vez, não provocou uma investigação maior por parte da imprensa.Agora o assunto “propina”, reiterado pelos primeiros mundistas de plantão que apontam o Brasil e os países do terceiro mundo como antros da corrupção – foi manchete do New York Times, mas com outro foco. Na segunda-feira, 19, o jornal americano traz a matéria “Guerra à propina corporativa”, de Leslie Wayne.

Os EUA – escreve Wayne – combatem corrupção fora, mas não dentro de casa.Wayne traz os novos questionamentos a lei americana Foreign Corrupt Practices Act, de 1977, que proíbe empresas americanas de pagar propinas a funcionários de governos estrangeiros. Entre as empresas investigadas estão nomes conhecidos como Alcoa, Avon, Goldman Sachs, Hewlett-Packard, Pfizer e Wal-Mart Stores, embora nenhuma dessas companhias tenha sido acusada criminalmente até agora.

A lei estava esquecida e só voltou à tona neste século, anos 2000, e mesmo assim é pouco aplicada. O artigo de Wayne traz dados interessantes a respeito da propina no mundo. O Banco Mundial estima que anualmente são pagos em propinas a funcionários governamentais mais de US$ 1 trilhão. De acordo com a organização Transparency International, que rastreia a corrupção, apenas na África são desviados US$ 148 bilhões por ano.A matéria evidencia outro caso bruto de corrupção, desta vez, registrado na Alemanha, outra imponente nação mundial.

Lá, a FCPA moveu uma de suas maiores ações envolvendo a Siemens, que em 2008, diz a reportagem, foi acusada de pagar suborno a autoridades em uma série de países. Para quantificar, a Siemens pagou US$ 800 milhões a reguladores nos EUA e outros US$ 800 milhões na Alemanha para resolver o caso.  Uma quantia, digamos, bastante razoável. Situações similares sucedem ainda em outros países como o vizinho México e em Guina Equatorial.

Na mesma segunda-feira, 19, o New York Time traz em outra matéria, “Internet expõe os subornos do cotidiano”, um bom apanhado da raiz da corrupção e da propina. Stephanie Strom apresenta a experiência do site ipaidabribe.com (eu paguei um suborno), que recolhe testemunhos anônimos de subornos pagos, de subornos solicitados, mas não pagos ou de subornos que eram esperados, mas não foram explicitamente pedidos.

Os testemunhos de corrupção atravessam os continentes e as culturas: “O preço para solicitar uma restituição de imposto de renda legítima em Hyderabad, na Índia? Dez mil rupias; Valor atual da vaga em um colégio público de Nairóbi, no Quênia, para um aluno que já passou pelas exigências para a admissão? Vinte mil xelins; O gasto para tirar carteira de motorista depois de ser aprovado no exame em Karachi, no Paquistão? Cerca de 3.000 rupias”.

É a tabela da “corrupção do varejo”, como denomina SwatiRamanathan, citada na matéria de Stephanie Strom. “Ou seja, os pequenos subornos que contaminam o cotidiano de tantos lugares do mundo”. Não há limites fronteiriços e geográficos para a corrupção no mundo. Agora, a experiência do ipaidabribe.com e de sites semelhantes está se espalhando e constrangendo corruptos e corruptores.Ramanathan disse que entidades e órgãos públicos de pelo menos 17 países já contataram a Janaagraha, que mantém o “I Paid a Bribe”, solicitando auxílio para criarem versões locais da experiência.

No ano passado, por exemplo, a Comissão Anticorrupção do Reino do Butão criou um formulário digital para denúncias anônimas de corrupção. No Paquistão, surgiu uma versão do ipaidbribe, que estima que a economia nacional tenha perdido US$ 94 bilhões nos últimos quatro anos por causa de corrupção, evasão fiscal e descaso administrativo. “Estamos trabalhando para criar uma coalizão de grupos do site, que talvez se reúna anualmente e compartilhe experiências”, disse Ramanathan ao NYT.

Dessa forma, as mídias sociais se tornaram instrumentos a favor da transparência e ferramentas novas e poderosas para combater a corrupção endêmica, analisou Ben Elers, diretor da Transparência Internacional. “No passado, tendíamos a ver a corrupção como um problema enorme e monolítico, contra o qual as pessoas comuns nada podiam fazer”, disse Elers. E completou: “Agora, as pessoas têm novas ferramentas para identificá-la e exigir mudanças”.

Da teoria à prática, a matéria mostra que as informações obtidas por meio dos testemunhos anônimos podem estimular novas políticas e ações de combate a corrupção. Em Bangalore, na Índia, Bhaskar Rao, comissário de Transportes do Estado de Karnataka, utilizou dados coletados do “I Paid a Bribe” para impulsionar reformas no departamento de trânsito. As carteiras de motorista agora são solicitadas pela internet e, no ano passado, Bangalore se tornou a primeira cidade do mundo a ter exames de habilitação eletrônicos, monitorados por sensores.

Pedro Lichtnow é Zé Beto Maciel são jornalistas em Curitiba.