Edmund Burke, em seu famoso aforismo, disse que “aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la”. Muito pior é a situação daqueles que, mesmo conhecendo a história, pretendem repeti-la. A sociedade paranaense conhece muito bem a história das concessões de rodovias e da cobrança de tarifa de pedágio no Paraná. Durante quase 24 anos suportou tarifas de pedágio muito elevadas, sem a correspondente contraprestação em obras e serviços.
Estas tarifas elevadas causaram enormes prejuízos para os usuários e para toda a cadeia produtiva, resultando também na elevação dos preços de produtos transportados nas rodovias. Neste período, foram cometidos crimes e fraudes nas execuções contratuais – já reconhecidos em acordos de leniência celebrados pelos concessionários – que causaram prejuízos inestimáveis para a população do Paraná.
O critério de julgamento das licitações para a contratação das concessões que ocorreu em 1997 foi o de maior outorga – mediante obras e serviços de recuperação e manutenção de trechos de acesso às rodovias principais. O valor das tarifas foi fixado pelo poder concedente. Estes contratos de concessão, celebrados em 1997, terão vigência encerrada em novembro de 2021. A União, por intermédio da ANTT, está realizando os procedimentos preparatórios para lançar uma nova licitação para a concessão de rodovias federais que cortam o estado do Paraná, em conjunto com algumas rodovias estaduais. Pasmem!
O modelo de licitação que se pretende adotar será híbrido, envolvendo o menor valor de tarifa de pedágio e o maior valor de pagamento pela outorga da concessão. Será definido um valor mínimo de tarifa de pedágio e, caso haja empate entre os licitantes na disputa pelo valor da tarifa, o desempate se dará pela maior oferta de pagamento pela outorga da concessão.
Na prática, as empresas licitantes não poderão disputar livremente o valor da tarifa. Ou seja, mais uma vez a população paranaense terá de aceitar tarifas de pedágio elevadas, sem nenhuma garantia efetiva de que haverá a contraprestação em obras e serviços. Ademais, o que parece evidente, a obrigação de pagar pela outorga da concessão implicará aumento de tarifa, pois o concessionário terá de embutir na engenharia financeira de sua proposta a recuperação deste capital investido.
Em resumo, o modelo proposto pela União não possibilita que as empresas, de acordo com as suas características econômicas, financeiras, potencialidade de captação de recursos, ganhos de eficiência, entre outros fatores, se proponham a assumir a exploração das rodovias mediante valor de tarifa menor que aquele fixado como limite mínimo pela ANTT.
Um dos argumentos utilizados para defender o sistema híbrido é o de que “o pagamento pela outorga garante a participação de empresas mais sólidas e comprometidas com as obrigações contratuais, evitando inexecução ou falhas na prestação dos serviços”. Este argumento é retórico e não se sustenta. O pagamento pela outorga não garante melhores concessionários. O que garante bons concessionários é a atratividade econômico-financeira do projeto – ser um bom negócio para a iniciativa privada. Ter de pagar pela outorga, ao contrário, pode afastar boas empresas.
Por outro lado, existem mecanismos jurídicos suficientes para garantir que apenas boas empresas disputem os contratos pelo critério isolado de menor preço, como o rigor na definição dos requisitos de habilitação econômico-financeira e habilitação técnica; definição correta da engenharia financeira do projeto; e eliminação de proposta de valor de tarifa inexequível.
O risco de inexecução contratual ou de falhas na prestação dos serviços pode ser evitado por um controle rigoroso, pela previsão de robustas garantias – como seguro-garantia, ou caução em dinheiro. E podem ser previstas multas e outras sanções rigorosas para o caso de descumprimento do contrato. O pagamento pela outorga não é o único meio de garantir serviços adequados e o cumprimento dos contratos.
A única garantia de licitação que tenha como critério de julgamento o maior valor de pagamento pela outorga é que vamos ter tarifas muito altas de pedágio novamente no Paraná. Assim, mesmo conhecendo a história vamos repeti-la, de um modo ainda pior. Por isso defendo que a licitação para as concessões de rodovias seja realizada exclusivamente pelo critério de menor tarifa.
Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em Gestão Urbana, é vice-presidente do PSB do Paraná.
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