Amparados nas frouxas regras eleitorais criadas por eles próprios, os partidos políticos indicam que repetirão nas eleições municipais de outubro o modelo usado em 2018 para a aplicação do dinheiro público reservado para as campanhas. As informações são de Ranier Bragon na Folha de S. Paulo.
Em linhas gerais, os R$ 2,035 bilhões do fundo eleitoral, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira (17), serão distribuídos com base em duas diretrizes.
A primeira é a vontade das executivas das 33 legendas. O grupo restrito de dirigentes partidários tem poder absoluto, pela lei, de definir quem dos possivelmente quase 500 mil candidatos receberá o dinheiro público e em qual quantidade.
A segunda é a exigência, também legal, de direcionar ao menos 30% da verba (R$ 610 milhões) para candidatas. Embora sejam 51% da população, as mulheres ocupam só 14% das cadeiras do Congresso.
A regra foi criada para estimular a participação feminina na política. Porém ela está no centro do escândalo de desvio de recursos por meio das candidaturas laranjas, criadas apenas para desviar o dinheiro para outros candidatos.
A Folha revelou a prática no PSL de Minas e de Pernambuco, mas houve potenciais laranjas em outros 13 partidos.
Apuração da Polícia Federal apontou fortes indícios de que verba eleitoral pública do DEM nacional foi desviada por meio da maior candidatura laranja das eleições de 2018, no Acre.
A Folha procurou os 24 partidos com representação no Congresso.
Apenas Solidariedade, PSD, MDB, PTB e DEM disseram que pretendem aperfeiçoar o processo de escolha e condução das candidaturas femininas. PC do B, PV e PDT disseram que as mulheres já exercem, há tempos, papel de protagonismo em suas legendas.
O DEM afirmou, em nota, ter lançado em outubro uma estratégia nacional de formação política para mulheres.
“A intenção do partido é apresentar mais nomes do que o mínimo exigido pela legislação e indicar postulantes que efetivamente possuam o interesse em concorrer.”
Paulo Pereira da Silva, presidente do Solidariedade, afirma que o maior investimento da sigla nos últimos tempos foi no programa “Lidera+”, que selecionou publicamente 139 mulheres no país para serem capacitadas pela Secretaria Nacional da Mulher do partido com vistas à eleição.
“Estamos formando essas mulheres para que a gente possa ter candidatas realmente com condição de disputar e ganhar a eleição, e não apenas usá-las como laranjas, como aconteceu com alguns partidos”, afirmou o deputado.
Presidente do PSD, Gilberto Kassab disse que o partido incentiva os municípios a preencherem suas chapas de candidatos a prefeito e vereador com 40% de candidatas, desde que com potencial.
“É melhor termos menos candidatos homens, para que seja mantido o percentual de candidatas mulheres, do que termos candidatas com baixíssima votação, que poderiam ser confundidas com candidatas laranjas.”
O MDB disse que está tomando medidas para estimular as candidaturas femininas, realizando eventos e dando ao núcleo MDB Mulher o status de secretaria.
Sobre os critérios gerais para a distribuição dos recursos, só o PDT disse já ter definido o que irá fazer. Vai priorizar candidatos a prefeitos de capitais e grandes cidades, segundo o presidente, Carlos Lupi.
PT e PSL, que lideram o ranking de agraciados em 2020, com direito a 20% de todo o dinheiro público (cerca de R$ 200 milhões cada um), disseram que ainda não discutiram nenhum critério a ser adotado.
Partido que elegeu Bolsonaro, o PSL tinha verba de nanico em 2018 (R$ 9,2 milhões), tendo decidido na ocasião concentrar a decisão da distribuição do dinheiro nas mãos do então presidente interino, Gustavo Bebianno.
Escolhido em 2019 ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Bebianno foi demitido em meio à repercussão da revelação do laranjal do partido.
O então ministro entrou em conflito público de versões com Bolsonaro e seu filho Carlos sobre a crise que o caso teria gerado no governo.
Bebianno diz que não teve contato com as candidatas e apenas repassou formalmente os recursos aos estados.
A versão é confirmada pelo então presidente do PSL-MG, Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo, e Luciano Bivar, presidente nacional do PSL.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, diz que pretende discutir os critérios com todos os congressistas da sigla e os presidentes dos diretórios estaduais.
O Solidariedade também irá priorizar grandes cidades e estados em que o partido tem deputados federais eleitos.
Apesar de afirmar que ainda irá deliberar o assunto, o PL afirmou que deve repetir a lógica de 2018, quando privilegiou estados em que o partido tinha uma representação mais forte no Congresso.
As demais siglas afirmaram que ainda vão discutir os critérios ou não responderam.
Em geral, é consenso no Congresso que a maioria deve seguir o padrão de 2018, de priorizar as candidaturas de postulantes à reeleição e daqueles mais alinhados aos congressistas, governadores ou dirigentes das siglas.
Exceções a essa regra, na última disputa, foram PSOL, PV e PSD, que aprovaram resoluções com critérios detalhados e mais pulverizados de divisão.
O fundo eleitoral foi criado em 2017 em reação à proibição do financiamento empresarial de campanha. Em 2018, destinou R$ 1,7 bilhão aos partidos.
Bolsonaro criticou o uso do dinheiro público por políticos, apesar de tê-lo usado em sua campanha a deputado em 2014 (fundo partidário) e ter sido beneficiado com material eleitoral feito com dinheiro público e não declarado por sua campanha a presidente, conforme revelado pela Folha.
Ele tenta colocar de pé até o prazo de 4 de abril o seu partido, a Aliança pelo Brasil, que terá direito a uma pequena fatia do fundão caso oficializado a tempo (R$ 1,2 milhão).
Vinculado a empresários, o Novo foi a única sigla que prometeu usar uma das novidades dessa campanha, a possibilidade de até 1º de junho renunciar à verba do fundão (R$ 36,6 milhões).
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