Arquivos

Categorias

Para o setor informal, miséria vai aumentar de forma dramática, diz especialista do Insper

Coordenador do Centro de Politicas Públicas do instituto, o economista Naercio Menezes Filho diz que é urgente que a ajuda do governo chegue logo

Entrevista de Cássia Almeida, da Época

O economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Politicas Públicas do Insper, especializado em mercado de trabalho, educação, pobreza e desigualdade, afirma que o desemprego deve atingir um quarto dos trabalhadores em menos de um mês, o que vai se configurar uma tragédia social se as transferências e as medidas para minimizar a recessão não chegarem logo. Serão mais de 26 milhões de desempregados. Atualmente são 12,3 milhões.

“Não sabe por quanto tempo a economia vai ficar paralisada. Para quem trabalha no setor informal, a pobreza e miséria vão aumentar de forma dramática, se não houver medidas paliativas. Cada dia que passa, à medida que o desemprego começa a aumentar, vai gerando intranquilidade nas pessoas, insegurança que pode ter consequências graves a curto prazo, como saques. As pessoas não vão deixar suas famílias com fome”, disse.

O senhor alerta para o aumento do desemprego. Essas medidas de redução de jornada e salário são eficientes? Vão segurar os empregos, há críticas que a perda salarial será alta.

Acredito que a medida anunciada de redução da jornada ou suspensão temporária do contrato de trabalho vai na direção correta. É necessário encontrar formas para preservar o vínculo entre os trabalhadores e suas empresas. A perda salarial será alta para os que ganham mais, mas a maioria dos trabalhadores brasileiros ganha entre um e dois salários-mínimos atualmente.

E quem ganha um salário mínimo não terá perda salarial, pois terá o salário pago pelo governo. Além disso, a medida garante estabilidade do emprego pelo mesmo período da suspensão do contrato ou redução da jornada. E aumenta os custos de demissão.

Quantos podem ser atingidos pelo desemprego?

Em pouco tempo pode atingir um quarto da força de trabalho. São cerca de 26 milhões de pessoas (em fevereiro eram 12,3 milhões). Será um impacto tremendo se não houver medidas para aliviar a sofrimento dessas pessoas. Vai ser uma tragédia social, mas não há alternativas, pois temos que manter as regras de distanciamento social, caso contrário as consequências seriam ainda piores.

Mas, se não houver implementação urgente do programa de renda básica anunciado,as pessoas não vão ter como comprar alimentos nem produtos de higiene. Não se sabe o que vai acontecer. Hoje estão trabalhando na informalidade.

Não têm recursos para se manter durante o desemprego, ao contrário do trabalhador formal que tem seguro-desemprego, e também não têm poupança, não tem renda guardada para usar em períodos de crise.

A economia está parando, não há pessoas circulando nas ruas, não estão comprando de ambulantes. Muitas empresas não vão ter para quem vender e vão demitir seus empregados. É um fenômeno em cadeia, atingindo fornecedores. O desemprego pode atingir 25% rapidamente (em fevereiro estava em 11,6%).

Como chegar a essas pessoas?

Tem de aumentar o valor do Bolsa Família. O governo está perdendo tempo, já poderia estar ajudando essas famílias. Essas medidas atenuam os efeitos da recessão, além de ser uma medida humanitária. Temos que pensar como vai ser o desenvolvimento das crianças nesses lares, evitar que a recessão se aprofunde mais.

A população que recebe o Bolsa Família está no setor informal. Tem que ter complementação para que essas crianças que estão nascendo e crescendo tenham o mínimo de segurança. Elas já têm o cartão, é só uma medida administrativa, e tem de zerar a fila do Bolsa Família urgentemente.

O que mais pode ser feito?

Dar crédito para as pequenas empresas que não têm colchão de liquidez para sobreviver com as vendas paradas, não têm serviço de delivery ou venda on-line e estão fechadas pela quarentena. Milhares de pequenas e médias empresas, onde houve investimento, são criativas, os novos negócios vão ter que fechar. Portanto, vão precisar de ajuda para sobreviver durante esse período.

Mas, são empresas que têm conta em banco, CNPJ, os bancos têm acesso a elas. Basta liberar os recursos, e os bancos efetivamente emprestarem, sem aumentar a taxa de juros, como já está acontecendo. Já nas empresas informais, o dono do bar que está fechando agora, não têm acesso rápido ao crédito. Não tem gerente de banco. Tem que ser criativo para o dinheiro chegar a essas pessoas. Importante ressaltar que é urgente, se elas não puderem se sustentar, vão para as ruas. Não vão deixar seus familiares com fome.

Como atender a essa população?

Há os conselhos de assistência social (Cras). São os que efetivamente registram as pessoas no cadastro único. Existem em todos os municípios e eles sabem quem são as pessoas que estão passando por dificuldades, para fazer o cadastro emergencial. É mais difícil nas grandes cidades. Mas, podemos usar administrações regionais, subdivisões administrativas, num esforço de emergência.

Podemos usar também a conta de luz ou os registros nos cartórios eleitorais para encontrar as pessoas pobres. O ideal seria fazer pela internet para evitar o contágio, de forma ordenada, por meio de aplicativo. Mesmo que se dê para algumas pessoas que não precisariam, é melhor errar para mais do que para menos.

Corre-se o risco de a crise sair do controle. As pessoas não vão passar fome, vão para ruas, pode haver saques, vão fazer de tudo para conseguir alimentos se o programa de renda básico não for implementado agora.

Pobreza e a miséria vão aumentar?

Para quem trabalha no setor informal, a pobreza e miséria vão aumentar de forma dramática, se não houver medidas paliativas.

Como vê a ação do governo para ajudar os informais? Estão na direção correta?

Sim, as medidas anunciadas pelo governo estão na direção correta, mas precisam ser implementadas com urgência. Além disso, as transferências de renda aprovadas pelo Congresso também estão corretas e podem aliviar bastante a situação dos mais pobres se forem colocadas em prática rapidamente. Mas ação está um pouco descoordenada.

Sabemos que é uma situação de crise de proporções inéditas, que vai afetar a economia brasileira de maneira muito profunda, com queda de vários pontos percentuais no PIB. Espera-se que o ministro e sua equipe tomem decisões rápidas.

Cada dia que passa, à medida que o desemprego começa a aumentar, vai gerando de intranquilidade nas pessoas, uma insegurança que pode ter consequências graves a curto prazo. Mesmo com custo fiscal elevado, tem que gastar o que for necessário seja através de transferência de renda ou por meio de crédito para micro e pequenas empresas.

Quais consequências graves?

Vão atrás de comida, pode haver conflitos na sociedade. Mas, uma coisa que observo que é positiva, é a rede de apoio muito grande nas comunidades, por exemplo. Estão circulando mensagens com número de contas bancárias de ongs para tentar contribuir e atenuar os problemas.

Dessa perspectiva, temos uma mais rede de proteção social muito grande, seja do lado do SUS, da saúde da família que atua na ponta em todos os municípios, as ongs, que foram muito criticadas recentemente, estão nas comunidades. Está na hora de usar toda essa estrutura que vem sendo criando para ajudar as famílias mais pobres que estão afetadas pela crise. Nessas horas vemos o quanto foi importante ter criado essa rede de saúde e assistência.

Esses profissionais das unidades básica de saúde estão dando o máximo para ajudar essas famílias nesse momento. Foi um investimento que valeu a pena, como o que foi feito em reservas, para evitar que o câmbio exploda. Foi uma reserva social, mesmo com alguns retrocessos nos últimos dois anos, não deu tempo de reverter.