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Ouvindo o outro lado

 

Em menos de 40 anos a Coreia do Sul tornou-se um país desenvolvido investindo em educação

Luciano Huck

Pense num país tomado pela corrupção, com parte da população vivendo em favelas, baixos índices de desenvolvimento humano e de educação, sem compromisso com a sustentabilidade, refém da violência urbana e do subdesenvolvido. Errou quem pensou no Brasil. Estamos falando da Coreia do Sul.

Na década de 1980, porém, enquanto por aqui o Chacrinha balançava a pança e animava as massas, do outro lado do planeta começava uma verdadeira revolução silenciosa. Em menos de 40 anos a Coreia do Sul transformou-se numa democracia pujante e num país desenvolvido. Erradicou a pobreza, reduziu os abismos de desigualdades, criou oportunidades, virou sinônimo de inovação e vanguarda tecnológica, reconstruiu seu patrimônio histórico, galgou o topo das listas de desenvolvimento humano, ganhou voz na geopolítica global e, de quebra, fez jovens de todo o planeta se encantarem com a sua música, o K-pop. Como? Simples… Fazendo da educação prioridade de Estado.

Por total obra do destino, eu estava em Seul exatamente na semana em que o Brasil saiu às ruas para protestar contra os cortes dos investimentos em educação. Inspirado pela curiosidade, e no contexto da caminhada a que me propus, em que aprender é mais importante do que ter certezas, resolvi mergulhar no sistema público de ensino sul-coreano, visitar escolas, conversar com alunos, ouvir professores e dialogar com autoridades. Foi inspirador.

No Brasil, quando o tema são políticas públicas, para qualquer direção que olharmos existem demandas e necessidades de enorme complexidade. Na educação, porém, não precisamos reinventar a roda.

Além de já termos avançado de forma relevante nessa área, temos bons exemplos de políticas regionais que colheram expressivos resultados. Como o da cidade de Sobral (CE), as escolas em tempo integral de Pernambuco ou o salto qualitativo do Espírito Santo. A sociedade civil brasileira já produziu material suficiente e de qualidade para alicerçar o desenvolvimento de políticas educacionais viáveis e de alto impacto. Se no Brasil também queremos mirar a redução das desigualdades, a eliminação da pobreza extrema, endereçar soluções urbanas, transformar investimento em produtividade e criar oportunidades, a educação tem de ser a prioridade número um, o centro das atenções.

Há 40 anos o PIB per capita da Coreia do Sul era menor que o do Brasil. Hoje é três vezes maior. Por lá, de um lado, ser professor é ser “sagrado”, admirado e respeitado. O Estado capacita, recicla, mas também avalia. E investe num corpo docente jovem. Apenas 23,5% do total tem mais de 50 anos e boa parte do meio milhão de professores da rede pública foi recrutada entre os 20% melhores alunos do ensino médio. Bons alunos viram bons professores.

De outro, ser aluno é um direito que pode e deve ser exercido. Absorver os ensinamentos disponíveis é sinônimo de direito de escolha e mobilidade social. Estar sentando na sala de aula não significa necessariamente estar aprendendo. Assim como o Brasil vem discutindo a implementação da sua base curricular comum, por lá eles entenderam que a receita implementada na década de 80 já não respondia a todas as demandas contemporâneas.

O século 21 trouxe novos desafios, menos programáticos e mais existenciais. E a Coreia do Sul ensaia mais um salto qualitativo, um novo sistema de ensino conectado a essas novas demandas. Considerando o histórico patriarcal das sociedades orientais, a disciplina familiar rígida e a excessiva competitividade natural do povo coreano, derrubar as barreiras igualando homens e mulheres no sistema educacional, abrindo diálogo entre professor e aluno e dissociando esforço de exagero, esses são sinais claros da evolução da sociedade.

É fato que o país lida com altos índices de suicídio entre os jovens. Mas é importante refletir sobre esse dado. Realmente, o sucesso acadêmico virou obsessão familiar, o que transformou o dia a dia do estudante sul-coreano numa maratona sem fim, com a inacreditável média de mais de 15 horas diárias dedicadas aos estudos. E como, evidentemente, nem todos conseguem um lugar no alto do pódio, o grau de frustração é enorme.

Ao mesmo tempo, entender que o índice de suicídios na Coreia seja um dado exorbitante depende da referência. Como praticamente não existe violência no país, o atentado à própria vida acabou encabeçando a lista dos problemas nacionais. Para ter uma ideia, enquanto o Brasil lida com o estarrecedor número anual de 63 mil mortes violentas, a Coreia do Sul teve menos de 10 mortes de civis por arma de fogo no último ano.

Nas últimas décadas as políticas públicas educacionais sul-coreanas conviveram com líderes autoritários, eleições democráticas, governos de direita e esquerda, escândalos de corrupção e mandatários encarcerados, mas jamais foram postas em xeque. Interessante registrar que desde 2007 os secretários de Educação são escolhidos pela população em eleições diretas.

Retornei ao Brasil poucos dias atrás. Quase 30 horas de voo separam Songdo, minha última parada na Coreia do Sul, do Rio de Janeiro, onde moro. Enquanto por lá toda a água da cidade é reciclada, o lixo doméstico de 130 mil moradores viaja por dutos de sucção até usinas de reciclagem e retorna em forma de energia, o índice de violência é zero e para cada grupo de 10 mil habitantes existe uma escola pública, por aqui não consigo sequer chegar em casa. As vias que ligam a zona sul à zona oeste estão obstruídas, professores morrem abatidos a tiros a caminho do trabalho, mães desesperam-se diante da própria impotência e nem os voos para a outrora Cidade Maravilhosa aterrissam mais por aqui.

Nas ruas, professores, pais e alunos levantam suas vozes em defesa da educação. Sinceramente, espero que esses gritos ecoem, porque só ela transforma de verdade.

Não é rápido, não é simples, não é fácil.

Mas é o único caminho.

Luciano Huck, empresário e apresentador de TV

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