O capital político acumulado ao longo de quase cinco anos de investigações e operações policiais ostensivas, convertidas em espetáculos midiáticos com garantia de transmissão ao vivo por redes de televisão e internet, cristalizou a imagem pública do então juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Sergio Moro, em uma espécie de paladino-celebridade anticorrupção. Magistrado intransigente, notabilizado pela ousadia nas decisões judiciais, foi, agora, promovido a superministro da Justiça e Segurança Pública. As informações são de André Guilherme Vieira no Valor Econômico.
Ao exonerar-se da magistratura federal após 22 anos de toga e empossado ministro pelo presidente Jair Bolsonaro, Moro, de 46 anos, já é considerado pelo topo da cadeia alimentar da política de Brasília como presença no tabuleiro de xadrez que envolve movimentos certeiros dos postulantes à Presidência da República.
O ex-comandante da Operação Lava-Jato paranaense, responsável por colocar empresários e políticos poderosos atrás das grades, afirmou ao Valor que não está interessado na Presidência da República, nem tem pretensões eleitorais. Segundo o ministro, a missão que lhe foi dada e na qual trabalha para ser cumprida tem como alvo o fim da impunidade da grande corrupção, o combate ao crime organizado e a redução significativa dos crimes violentos.
Esses desafios, no entanto, são considerados quase intransponíveis de se realizar em um curto ciclo de quatro anos, segundo especialistas em justiça e segurança pública ouvidos pela reportagem.
Ainda que agora conte com uma caneta muito mais pesada para despachar em seu novo endereço de trabalho, o gabinete no Palácio da Justiça, em Brasília, e que tenha se livrado do risco de ter suas decisões reformadas ou anuladas por tribunais superiores, Moro passou à condição de sujeito do crivo popular em um governo que se inicia com suspeitas que envolvem o filho mais velho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ao mesmo tempo, tem de lidar com uma elevada expectativa da opinião pública de que sua gestão produzirá resultados imediatos ou no curto prazo.
Na opinião do advogado Walfrido Warde Júnior, fundador e presidente do Instituto para Reforma das relações entre Estado e Empresa (Iree), o endurecimento dos mecanismos de repressão ao crime organizado defendido por Moro é importante, mas insuficiente para solucionar o problema.
“O primeiro e maior incentivo ao crime é a pobreza. Por isso, quem combate a pobreza e a desigualdade social combate o crime. O segundo incentivo é a ganância. É certo que, em mercados em que há baixa concorrência, os lucros são exorbitantes”, diz.
Warde Júnior também tem ressalvas à política carcerária esboçada por Moro, que já sinalizou a intenção de construir novas unidades prisionais nos Estados a partir de projetos elaborados pelo Ministério da Justiça.
“Não basta criar novas prisões, ainda que fazê-las seja indispensável, diante da crescente população carcerária, se o plano é transformá-las em depósitos de gente. É indispensável que o cárcere deixe de ser a escola do crime, o estágio de um ciclo interminável de crime e castigo”, afirma.
Criminalista e coordenador do curso de pós-graduação em direito penal econômico da FGV/Law, Celso Vilardi é favorável ao uso da inteligência financeira e da ampliação da rede de controle do Estado para enfrentar a criminalidade organizada e as facções que controlam os presídios no país.
“As grandes organizações criminosas que dominam os presídios enfrentaram investigações tímidas, no que toca à lavagem de dinheiro. O rastreamento do dinheiro é fundamental. As investigações não costumam ser efetivas, porque as polícias não conversam”, diz.
Os dados mais atuais disponíveis sobre valores movimentados pelo narcotráfico no Brasil apontam para ao menos R$ 15,5 bilhões por ano, de acordo com levantamento da Câmara dos Deputados em 2016. A principal facção criminosa é o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização estruturada de forma descentralizada e com comandantes regionais que cumprem com disciplina digna de militar os “salves”, ordens que partem de seu líder máximo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, condenado a quase uma centena de anos por diversos crimes, como assalto a banco e homicídio, e que está preso na Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, em Presidente Venceslau (SP). Mesmo encarcerado, Marcola ainda transmite comandos a seus subordinados do crime.
Especialista em direito penal econômico e professor de direito processual penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o advogado Francisco Ortigão é favorável à melhoria do sistema de controle do Estado, em vez de dedicar esforços para o endurecimento da legislação penal.
“Mecanismos de controle e transparência são comprovadamente muito mais eficazes do que mecanismos jurídicos de emergência, como o já debatido endurecimento do sistema de execução penal.”
Ortigão também faz ressalvas à proposta de adoção do “plea bargain”. O instituto teve origem nos países que adotam o sistema do “common law” e é a menina dos olhos de Sergio Moro. Trata-se da realização de acordo entre a acusação (Ministério Público) e o réu ou acusado de crime, por meio do qual há declaração de culpa em troca de atenuação ou até extinção das eventuais penas a que a pessoa está sujeita em razão dos crimes que tenha praticado.
“Nos Estados Unidos, cerca de 90% dos processos são resolvidos pela via negocial, com o ‘plea bargain’. O impacto que teve lá foi o aumento da população carcerária, com mais de 2 milhões de presos e a ocorrência de uma série de injustiças, porque o controle do Poder Judiciário sobre as provas foi reduzido”, afirma Ortigão.
O Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do planeta, segundo o especialista. “Podemos estar caminhando para o agravamento do problema da população carcerária se optarmos pela adoção da prática desse Direito Negocial em ampla escala.”
Já a advogada constitucionalista Vera Chemin tem outra expectativa sobre a possibilidade de adoção do “plea bargain” no Brasil. Mestre em administração pública pela FGV, ela avalia que a crítica à proposta de Moro parte, principalmente, de advogados criminais que teriam suas atividades de enfrentamento à acusação e elaboração de habeas corpus prejudicadas.
“A ideia de adotar o ‘plea bargain’ é ótima. Quando Moro diz que vai endurecer penas, ele fala com a intenção de evitar a progressão de regime. O ‘plea bargain’ dará maior autonomia ao Ministério Público, para que determinados crimes não desemboquem no Judiciário de modo a acumular mais e mais processos.”
Para Vera, a adoção do direito negocial na esfera penal aumentará as chances de acusados obterem benefícios a que não teriam acesso pela via normal de tramitação do processo penal no Judiciário.
Em seu projeto de integrar o aparato de controle e repressão do Estado, talvez o maior desafio do ministro Sergio Moro seja a questão da corrupção que envolve parte significativa das polícias militar, civil e da própria Polícia Federal no Brasil. Não há dados sobre o tema, já que as corregedorias policiais são estruturas orgânicas das próprias policiais são estruturas orgânicas das próprias polícias e pouco ou nada transparentes.
Despesas líquidas com a função “segurança pública”, subfunção “policiamento” foram, em 2014, de R$ 18,9 bilhões nos Estados e de R$ 592 milhões na União, segundo o Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi).
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https://www.valor.com.br/cultura/6084961/os-proximos-alvos-de-sergio-moro
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