Editorial, Estadão
Renan Calheiros, presidente do Senado, e Eduardo Cunha, no comando da Câmara dos Deputados, são evidências mais do que suficientes de que a política brasileira não é muito exigente em matéria de qualificação moral de suas lideranças. Ambos ostentam currículos que são uma festa para a banca criminalista. Renan já teve de renunciar ao posto que hoje ocupa, à frente da Câmara Alta, para salvar o mandato de senador. Tanto um como outro, em resumo, frequentam investigações da polícia e do Ministério Público. E Cunha teve recentemente seu afastamento da presidência da Câmara solicitado pelo procurador-geral da República. Só continua onde está porque o ministro Teori Zavascki, que coordena no Supremo Tribunal Federal (STF) as ações da Operação Lava Jato, preferiu só pensar no assunto em fevereiro, depois do recesso do Judiciário.
Dos dois presidentes em que a polícia está de olho o mais aflito é, disparado, Eduardo Cunha. Seja porque sabe onde lhe apertam os calos, seja por conta de seu temperamento inquieto e pela inclinação a atos de ousadia, seja, finalmente, porque se deu conta de que se esgotaram suas manobras de bastidores, Cunha decidiu esquecer o recesso parlamentar, botar fé no velho bom alvitre de que o ataque é a melhor defesa e partir para cima de dois alvos simultaneamente: Renan Calheiros e a Operação Lava Jato. Convocou os jornalistas na terça-feira passada para, entre outras coisas, acusar os policiais e procuradores federais de estarem poupando o presidente do Senado com a divulgação seletiva de informações sobre seu trabalho.
Cunha revelou aos jornalistas que num relatório de 632 páginas da Lava Jato sobre ligações telefônicas feitas pelo presidente da empreiteira OAS, Leo Pinheiro, 60 páginas tratam de conversas com o presidente do Senado e sobre essas “ninguém publicou uma linha”. O deputado quer fazer crer que a PF e o MPF estão deliberadamente protegendo Calheiros, que estaria politicamente composto com o Planalto, a quem ofereceria, em troca, o seu poder de barrar o processo de impeachment da chefe do governo. O presidente da Câmara usou também o encontro com os jornalistas para repetir os argumentos com os quais repele todas as acusações que lhe são feitas, inclusive a de manter contas secretas no Exterior. Nesse assunto, Cunha insiste em comportar-se como o marido da anedota que, surpreendido pela própria mulher em flagrante de adultério explícito, suplica: “Calma, querida, não é o que você está pensando!”. Inspirado no exemplo do notório Paulo Maluf, que contra todas as evidências, inclusive decisões judiciais, também insiste em afirmar que jamais possuiu contas bancárias fora do País, Cunha agora promete “dar de presente”, a quem vier a encontrar, qualquer conta no Exterior cuja titularidade lhe seja atribuída.
Eduardo Cunha está seriamente ameaçado de perder, além da presidência da Casa, o mandato de deputado federal, em decorrência do processo que tramita no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Por isso, não hesita em usar todo o poder que os cargos lhe conferem para tentar salvar a própria pele. Além disso, está empenhado numa disputa interna de poder no PMDB, que se encontra dividido em torno da decisão de manter ou romper a aliança com o PT e o governo Dilma. Renan Calheiros é uma das principais lideranças que se alinham com o Planalto e essa é a principal razão pela qual acabou se tornando alvo da hostilidade de Cunha. Nesse conturbado contexto de crise política, uma das poucas certezas, do ponto de vista institucional, é a de que tanto a Justiça quanto o aparelho policial e de defesa pública do Estado têm procurado agir, dentro dos limites da falibilidade humana, para garantir o império da lei. As insinuações de Eduardo Cunha contra a Operação Lava Jato são apenas teorias conspirativas cuja credibilidade está à altura do respeito merecido por quem as articula. Quanto a Renan Calheiros, com base na mesma convicção pode-se até admitir que a Justiça tarda. Mas não há de falhar.
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