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Os inimigos da democracia

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A complexidade e a diversidade da condição humana tornam a convivência democrática um exercício desafiador que precisa se socorrer, nas sociedades livres, de mecanismos de mediação das vontades em conflito

Editorial, Estadão

A complexidade e a diversidade da condição humana tornam a convivência democrática um exercício desafiador que precisa se socorrer, nas sociedades livres, de mecanismos de mediação das vontades em conflito. Para que o sistema democrático funcione, é necessário que tanto no plano individual como no coletivo os cidadãos aceitem o fato de que nem sempre suas vontades ou convicções podem prevalecer e por isso devem, democraticamente, acatar as decisões da maioria. É claro que a dinâmica da vida social exige um permanente aperfeiçoamento dessas regras de convivência – as leis – que, enquanto não são mudadas, pelo consenso ou pelo voto da maioria, precisam ser respeitadas. Fora disso, não existe convivência democrática.

Essa é uma lição que, ao longo de sua história de 36 anos, 13 deles no poder, o PT ainda não aprendeu. Padece, esse partido, do vício ideológico que leva seus seguidores a ignorar ou tentar anular dois atributos indissociáveis da condição humana: a complexidade e a diversidade. Esse comportamento foi radicalmente seguido pelos petistas e aliados ao longo de todo o processo do impeachment.

A tropa de choque “dilmista” baseou sua atuação em dois pressupostos relacionados, um político e outro legal: o processo era um “golpe” contra uma presidente legítima e democraticamente eleita, porque ela não cometera nenhum crime de responsabilidade.

Ora, ninguém jamais negou que Dilma foi eleita com 54 milhões de votos. Nem é o caso de saber se cometeu ou não, com suas mentiras, um estelionato eleitoral. A tudo isso se sobrepõe outro fato, igualmente incontestável: Dilma perdeu a confiança da enorme maioria dos brasileiros, que passaram a pedir seu afastamento. Quanto a ter ou não a presidente cometido crime de responsabilidade, o julgamento amplamente majoritário de seus julgadores foi categórico: houve crime. Daí o impeachment previsto pela Constituição.

Os petistas e aliados, contudo, não se conformam. Como partem do princípio de que são monopolistas da verdade e da virtude, durante todo o debate do impeachment insistiram em comportar-se como se estivessem participando de uma assembleia de estudantes – com todo respeito ao idealismo e vigor juvenis que ali ainda se percebem. O anacronismo político e a demagogia barata de suas intervenções frequentemente tropeçavam na falta de argumentos sólidos. Restava-lhe partir para o berro.

Derrotados fragorosamente na votação do impeachment, os petistas anunciam que vão recorrer agora ao STF, mesmo sabendo que são ínfimas as possibilidades de a “camaradagem” de Ricardo Lewandowski, ao fatiar o julgamento para preservar os direitos políticos de Dilma, fazer adeptos. Sabem que a possibilidade de que o Supremo reverta a decisão do Senado é remota. Não faz mal. Haverá outros recursos a serem levados tanto ao STF como a organismos internacionais – como já fizeram –, onde esperam ver o Brasil tratado como uma república de bananas. Para o PT, recursos judiciais são meros pretextos para se exibir no patético papel de vítima de algozes implacáveis.

Há um limite para tudo, inclusive para a tolerância em relação ao comportamento político. Esse limite não precisa estar, necessariamente, definido em leis escritas. Existe um foro irrecorrível nas sociedades democráticas, inclusive naquelas, como a brasileira, que ainda se debatem com as dificuldades da incipiência. Esse foro é a consciência popular, a capacidade que os seres humanos têm, nas condições mais adversas, de se dar conta – parafraseando Abraham Lincoln – de que alguns podem ser enganados todo o tempo, todos podem ser enganados por algum tempo, mas é impossível enganar a todos, por todo o tempo. Em outubro de 2014, mais de 54 milhões de brasileiros elegeram uma presidente, sobrepondo-se aos mais de 50 milhões – os petistas nunca mencionam isso – que votaram no oponente dela. Menos de um ano depois, mais de dois terços desses mais de 100 milhões, pelo menos 65 milhões, pediam nas ruas e nas pesquisas de opinião o afastamento de Dilma agora consumado.

O PT precisa aprender que o único caminho que lhe resta, se quiser continuar fazendo parte do ecúmeno sociopolítico brasileiro, é o acato à democracia representativa – liberal, portanto – e o respeito às leis do País.

Foto: internet