Repetição, pelo PT, da palavra ‘resistência’ exprime a recusa do partido em aceitar a legitimidade da escolha dos eleitores
Editorial, Estadão
O PT e seus satélites partidários e sindicais já estão articulando um movimento de “resistência” ao futuro governo de Jair Bolsonaro. A escolha da palavra “resistência”, repetida à exaustão pelos petistas desde a derrota na eleição presidencial, não é casual. Trata-se de expressão cristalina da recusa do PT em aceitar a legitimidade da escolha democrática dos eleitores.
É como se a eleição de Bolsonaro fosse uma declaração de guerra, e sua posse na Presidência, a invasão de um exército inimigo. E, se é de guerra que se trata, então tudo é considerado válido para sabotar esse inimigo, o invasor.
Como disse a presidente cassada Dilma Rousseff em evento na Argentina, a organização da “resistência” a Bolsonaro demanda construir uma “frente democrática e popular” e, para isso, “a gente fará uma aliança até com o diabo para combatê-los”. Ao admitir uma aliança até com o coisa-ruim – a quem, como se sabe, Dilma já invocou como parceiro preferencial do PT em campanhas eleitorais -, a presidente cassada deixa claro que não haverá limites éticos ou morais para desestabilizar o próximo governo.
Tudo isso, é claro, vem revestido de um discurso que transforma Bolsonaro em ameaça à democracia, e os petistas, nos guerreiros que a salvarão do monstro fascista. Nesse discurso, o fato de que Bolsonaro se elegeu numa campanha limpa, em que os eleitores puderam manifestar sua vontade sem qualquer forma de coação, parece irrelevante. O que importa é que o eleito, segundo advertem os petistas, instalará no País um regime de exceção assim que vestir a faixa presidencial. Sendo assim, como disse Dilma, é preciso desde já criar a “resistência” contra o “Estado neoliberal e neofascista”.
É um curioso caso em que a “resistência” se estabelece antes da tal ditadura que esses maquis de fancaria pretendem combater. Trata-se, na prática, de um ato belicoso, que nada tem a ver com oposição. A verdadeira oposição democrática é aquela que lealmente aceita o resultado das urnas e se articula para defender os interesses do País e o desenvolvimento sustentável, fiscalizando e pressionando o governo a rever sua agenda caso se desvie desse caminho. A esse propósito, o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE) disse ao Estado que seu partido quer formar um bloco de oposição “preocupado com a melhoria do País”, dando “pronto apoio” a projetos do governo que sejam vistos por esse bloco “como o melhor para o País” ou, no caso de discordância, “oferecer alternativas”, sem “apostar no quanto pior melhor”. Questionado sobre se o PT seria bem-vindo nesse bloco, Cid Gomes disse que nada teria a opor, “desde que faça uma revisão, um mea culpa do seu posicionamento histórico, que é de fazer oposição sistemática quando não são eles o governo”.
A julgar pelo que se observa até aqui, o PT continuará a dar preferência ao “diabo” em vez de unir-se a uma oposição civilizada. Os petistas construíram uma narrativa histórica que lhes torna virtualmente impossível aceitar Jair Bolsonaro como presidente da República. Segundo essa versão, amplamente difundida no Brasil e no exterior, o PT foi alijado do poder por um golpe de Estado e o governo Bolsonaro seria o corolário desse movimento. Dilma Rousseff, segue o discurso petista, sofreu impeachment porque as elites brasileiras consideraram intolerável ter de dividir lugares nos aviões e universidades com os pobres, e agora essas elites elegeram Bolsonaro justamente para acabar de vez com os “direitos” da população. Para que tudo isso acontecesse, diz a versão do PT, era preciso inventar um pretexto para mandar Lula da Silva para a cadeia e, assim, impedir que o demiurgo de Garanhuns fosse consagrado nas urnas – e no primeiro turno, segundo se garante na seita petista.
E assim o PT se arma para uma guerra – que, a rigor, é contra todos os brasileiros que ousaram não votar no partido, e especialmente contra aqueles que preferiram Jair Bolsonaro. Nem é preciso dizer que tal comportamento nada tem de democrático e o que se espera é que seja repudiado por aqueles que pretendem fazer oposição honesta a Bolsonaro.
link editorial
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-posicao-nao-e-guerra,70002621637
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