Uma descida até o Paraguai ou uma subida até o Brasil poderão ser jargões em Foz do Iguaçu a partir de 2022, quando a segunda ponte entre os dois países estiver em pleno funcionamento. A brincadeira faz referência a uma diferença de mais dez metros de altura entre as cabeceiras das duas pistas, mas essa sensação será praticamente imperceptível ao percorrer a distância de 760 metros da ponte, que será um novo marco arquitetônico e logístico do Paraná. O Governo do Estado é gestor da obra.
Os trabalhos alcançaram 22% na primeira semana de junho e envolvem mais de 350 funcionários. O ritmo está bem acelerado na margem brasileira do Rio Paraná, com estruturas bem visíveis, mas questões aduaneiras atrasaram as obras no Paraguai, que ainda estão na fase de terraplanagem e construção do dique de contenção contra eventual cheia. Essa diferença de cerca de seis meses será recuperada nos próximos meses.
“É um projeto que está em discussão há mais de 25 anos e que tiramos do papel em tempo recorde”, diz o governador Carlos Massa Ratinho Junior. “Somos responsáveis pela gestão desta obra, que é parte do planejamento de melhorar a integração na América do Sul e ampliar o turismo em Foz do Iguaçu. É um símbolo, porque fica perto do Marco das Três Fronteiras, é uma ponte que marcará esse século como a Ponte Internacional da Amizade marcou o último”.
O secretário da Infraestrutura e Logística, Sandro Alex, enfatiza que é a maior obra do Estado, uma das maiores do País e um desafio logístico internacional. “A nova ponte é fruto do bom relacionamento com o governo federal, que entendeu que o Governo do Estado deveria ser responsável pela gestão da obra”, afirma o secretário. “Esse projeto demorou a sair do papel e passou algum tempo abandonado, mas fizemos questão de participar”.
A segunda ponte internacional sobre o Rio Paraná e a nova perimetral até a BR-277, que acompanha a obra, terão investimentos de R$ 463 milhões da Itaipu Binacional. Segundo o diretor-geral brasileiro da usina, Joaquim Silva e Luna, a obra faz parte da missão da Itaipu de impulsionar o desenvolvimento econômico, turístico, tecnológico, sustentável no Brasil e no Paraguai. “Queremos que o cidadão perceba onde o dinheiro está sendo aplicado e, por isso, investimos em grandes obras estruturantes, como esta ponte, que será um marco da ligação entre os dois países”, afirma o diretor-geral.
EM TRÊS ANOS –A ponte está sendo construída nas proximidades do Marco das Três Fronteiras, ligando Foz do Iguaçu à cidade paraguaia de Presidente Franco. Batizada de Ponte da Integração Brasil-Paraguai, a segunda ponte internacional sobre o Rio Paraná custará cerca de R$ 323 milhões. A Itaipu injetou mais R$ 140 milhões nas obras da Perimetral Leste, que ligará a nova estrutura à BR-277.
A nova ponte terá 760 metros de comprimento e vão-livre de 470 metros, o maior da América Latina. Serão duas pistas simples com 3,6 metros de largura, acostamento de 3 metros e calçada de 1,70 metro nas laterais. A previsão é que a obra seja entregue em três anos. Ela será maior que a Ponte Internacional da Amizade e está localizada cerca de 10 quilômetros abaixo dela, em direção ao Rio Iguaçu.
O projeto foi concebido originalmente por uma comissão mista entre os dois países em 1992, mas foi deixado de lado com o decorrer dos anos por falta de dinheiro ou interesse diplomático. Também houve problemas ambientais no início da execução, em 2014, e a obra foi paralisada. Quando houve avanços nas questões legais não havia recursos e a entrada da Itaipu Binacional nessa estratégia foi fundamental para resolveu todas as pendências.
“Inicialmente não era para ser uma ponte estaiada, depois o projeto previa um vão menor, mas, ao final, o consórcio escolheu por deixar os pilares nas bordas por facilidade na execução e para ter o maior vão livre da América Latina”, explica o engenheiro Marcus Arantes, responsável pelo acompanhamento da obra por parte do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), órgão delegado para fiscalização do contrato.
Como contrapartida da estratégia paraguaia, haverá uma nova ponte, também bancada pela Itaipu Binacional, entre Carmelo Peralta (Paraguai) e Porto Murtinho (Mato Grosso do Sul).
PERIMETRAL – A perimetral que faz parte da obra vai permitir que caminhões procedentes da Argentina e do Paraguai acessem diretamente a BR-277 na altura do Posto Paradão, reduzindo o fluxo de veículos pesados na área urbana de Foz do Iguaçu. A ponte também terá acesso facultado a veículos menores e turistas.
A perimetral do lado brasileiro está prevista para começar em outubro e inclui toda a estrutura necessária para a aduana na chamada zona primária. A perimetral do lado paraguaio será de responsabilidade do governo local. Da mesma forma, na outra ponte ligando os dois países, cada um deles será responsável pela construção da sua respectiva perimetral.
“A ponte e a perimetral são de fundamental importância para o comércio e o turismo”, diz Mario Camargo, presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Foz do Iguaçu (Codefoz). “Esse contorno vai tirar os caminhões de dentro da cidade e da Rodovia das Cataratas. Foz do Iguaçu tem duas grandes vocações e elas não podem causar transtornos entre si”, diz ele. “Fora a degradação do asfalto. Esse anel rodoviário vai melhorar a rotina da cidade”.
Ponte terá torres do tamanho de prédio de 50 andares
No lado brasileiro, uma das duas principais torres de 190 metros (tamanho de um prédio de 50 andares) já bateu os 60 metros (altura da pista do asfalto) e os trabalhos na coirmã para alcançar esse patamar terminam em breve. A intensidade é possível graças a uma tecnologia de concreto injetado por camadas. A espessura de cada cilindro é de 60 centímetros.
As torres formarão um Y invertido, por onde passarão os estaios (cabos de aço) da ponte estaiada. Esse canteiro trabalha 24 horas por dia. O lado paraguaio será espelhado.
A caixa de equilíbrio do lado brasileiro também já tem estrutura praticamente finalizada e passa por um processo de deslizamento de concreto. Ela foi fixada nas rochas de basalto do morro que margeia o Rio Paraná e é onde todos os estaios serão ancorados para garantir estabilidade para a ponte.
A estrutura terá ainda outros três pares de torres de concreto em cada lado do rio Paraná, além das torres principais de 190 metros. No lado brasileiro, dois pares estão em avançada fase de concretagem e o outro está praticamente finalizado. Todas essas estruturas são “grampeadas” sobre os morros.
O Paraguai iniciou neste mês as armações das bases das torres principais e a regularização do subleito para as demais estruturas. Mesmo com a diferença no avanço das obras nos dois países a expectativa é de finalizar até o fim do ano a parte mais robusta das fundações e do concreto para começar a instalação das vigas entre as estruturas. Elas estão sendo pré-montadas em Porto Alegre e serão transportadas de caminhão para Foz do Iguaçu, onde ocorrerão os últimos encaixes.
Os atrasos paraguaios envolveram questões aduaneiras. Como o consórcio é brasileiro (Construbase–Cidade–Paulitec), foi preciso criar uma normativa própria entre os dois países para permitir exportações de produtos e mão de obra para acesso exclusivo à margem paraguaia. Qualquer funcionário que se desloque entre os canteiros precisa apresentar documento para a Receita Federal dos dois países.
Para economista, potencial comercial da Ponte da Integração é imenso
O economista Luciano Wexell Severo, professor do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), explica que a nova ponte entre o Brasil e o Paraguai pode ajudar a estruturar novas políticas públicas no Cone Sul e ser preponderante na conexão bioceânica entre o Porto de Paranaguá e os portos do Norte do Chile, principalmente Antofagasta.
“Existe um esforço de investimentos em obras para transporte multimodal para o escoamento de produção e a articulação produtiva dessa região, que é uma área geograficamente e geopoliticamente muito importante para a América Latina, envolvendo Paraná, Mato Grosso do Sul, Paraguai, Bolívia e Argentina. Parcela considerável da exportação do Paraná tem a Ásia como destino, principalmente celulose, soja e carnes congeladas. Podemos baratear os custos de deslocamento”, afirma Severo.
Ele cita um estudo do Observatório de Integração Econômica da Unila que prevê que o corredor tem potencial de desenvolver novas cadeias produtivas ao longo do seu eixo, integrando melhor alguns setores da economia. “Apesar da distância entre Foz do Iguaçu e Paranaguá ser a metade da distância entre Foz do Iguaçu e Antofagasta, via Chile, haverá redução do tempo de transporte e dos custos logísticos. Dá para estimar uma economia de 20% do tempo entre Foz do Iguaçu e a Ásia e a Costa Oeste dos Estados Unidos e de 30% dos custos logísticos de alguns produtos”, acrescenta.
Outro aspecto positivo da nova ponte é o aumento da integração entre o Brasil e o Paraguai. A média da balança comercial entre os dois países é de cerca de US$ 4,5 bilhões nos últimos cinco anos e 90% desse comércio passa pela Ponte da Amizade. Ele cita que a economia paraguaia vem crescendo a uma taxa média de 4,5% nos últimos cinco anos, fruto da produção agrícola e do estímulo para estabelecimento de empresas.
“Nos próximos 10 ou 12 anos a expectativa é que o País cresça para usar 100% de sua parte da produção energética de Itaipu e Yacyretá (binacional entre o Paraguai e a Argentina)”, defende o economista. “Se o Brasil recuperar bom nível de crescimento, com articulação, o Paraná pode se transformar em um centro de produção e distribuição. Porque nossa economia ajuda a alavancar a latino-americana”.
Severo também aponta que a Ponte da Integração pode ser fundamental no novo xadrez político global do pós-pandemia, que ainda é incerto. Ele cita o exemplo de duas pontes com menos de 15 anos no Acre, conectando o estado a Peru e Bolívia, e como elas mudaram a dinâmica econômica local. A nova estrutura pode ajudar a lapidar novas formatações econômicas no Mercosul.
“O comércio naquela região era realizado via chalanas, embarcações primárias, e agora as exportações são pelas pontes. Todos os estados brasileiros têm como maiores parceiros a China e os EUA, mas isso não ocorre com o Acre. Isso acontece porque o estado se voltou para dentro da América. Antes as exportações aconteciam pelos portos de Santos, Manaus e Paranaguá, agora podem sair pelo Pacífico”, desenha o professor.
Ele cita inúmeras outras possibilidades de integração nas áreas de saúde, cultura, educação, emprego. “Pontes e estradas não são passageiras. As cidades estabelecem agendas comuns a partir delas. Podemos facultar acesso maior a paraguaios e vice-versa, aproximar produtores chilenos e argentinos, parar de comprar sal para o agronegócio em Mossoró (RN), a 3,7 mil quilômetros, e comprar aqui do lado. Em 2019, o Paraná importou mais de US$ 1,7 milhão de sal do Chile, via porto de Paranaguá”, arremata. “Além disso podemos utilizar mecanismos já previstos para não utilizar dólar nas transações comerciais latinoamericanas, as compensações. A crise pode nos obrigar a nos unirmos”
Informações AMN
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