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Obama: depois da festa da posse, a dura realidade

Obama: depois da festa da posse, a dura realidade

Nenhum presidente dos Estados Unidos, nas últimas décadas, despertou tantas expectativas em seu próprio país e no mundo inteiro quanto Barack Obama. Sua posse no dia 20 de janeiro foi manchete nos principais jornais até dos menores países da aldeia global. Essa expectativa não se deve principalmente ao fato de ser negro, num país onde o racismo ainda é forte, mas por algumas medidas que anunciou e pretende tomar já no início de seu governo, numa linha bem diferente de seu antecessor George W. Bush, que mergulhou os Estados Unidos e o mundo numa crise econômica que vem fazendo grandes estragos, sobretudo nos países até pouco tempo chamados do primeiro mundo.

Nunca a imagem dos Estados Unidos esteve tão ruim nos quatro cantos do planeta, desde a Segunda Guerra Mundial. De repente, a "marca América" voltou a brilhar. Algumas decisões com forte conteúdo simbólico relativas ao fechamento de Guantânamo e à proibição da tortura vêm fortalecer a sensação de era nova.

Mas as primeiras dificuldades começam a surgir já nos primeiros dias de governo. O jornalista Serge Halimi, do conceituado jornal francês Le Monde Diplomatique, faz uma análise do contexto em que Obama assume a presidência, da equipe que montou para o governo e das primeiras medidas que tomou para enfrentar a grave crise econômica.

Os dilemas do presidente Obama

Serge Halimi

A posse de Barack Obama confirma três rupturas. A primeira é política. Desde 1965, um presidente democrata nunca começou seu mandato num contexto de fraqueza, e até de derrota das forças conservadoras. Em 1977, James Carter venceu por pouco as eleições para presidente dos Estados Unidos graças à sua promessa de uma renovação moral ("Eu não mentirei nunca") depois do escândalo do Watergate. Sua presidência foi marcada por uma política monetarista e pelas primeiras grandes medidas de desregulamentação. Em 1993, William Clinton se apresentou como o homem que ia "modernizar" o partido democrata copiando idéias do partido republicano (a pena de morte, a revisão da assistência social, a austeridade financeira).

A segunda ruptura é econômica. O neoliberalismo implantado por Reagan não é defendido mais nem pelos republicanos. Na sua última entrevista coletiva, em 12 de janeiro, George W. Bush "admitiu naturalmente": "Deixei de lado alguns de meus princípios liberais quando meus assessores econômicos me informaram que a situação em que nos encontramos corria o risco de ser pior que a grande depressão (a crise de 1929)". "Pior" seria ir longe demais, a tal ponto a crise de 1929 fez fermentar as "vinhas da ira" e levou o país ao caos.

No entanto, 2008 terminou com uma perda de 2.600.00 empregos nos Estados Unidos, dos quais 1.900.000 somente nos últimos quatro meses do ano. Isso representa o pior desempenho desde 1945, o que significa uma queda livre. Não seria tão ruim se as contas do país estivessem em equilíbrio e houvesse uma possibilidade ilimitada de reaquecer a economia pelo endividamento. A situação econômica está longe disso. O déficit orçamentário vai atingir em 2009 U$ 1,2 trilhão e 8,3% do Produto Nacional Bruto. Neste ponto ainda, os números são impressionantes, de tão ruins: eles não só são piores que os resultados da era Reagan (6% em 1983), como multiplicam por três o déficit de um ano para outro. E, para complicar as coisas, cada dia parece anunciar a falência de mais um banco.

A terceira ruptura é diplomática. Nunca, desde a Segunda Guerra Mundial, a imagem dos Estados Unidos no mundo esteve tão ruim. A maioria dos países estima que a superpotência da América do Norte desempenha um papel negativo nos assuntos do mundo, muitas vezes numa proporção esmagadora. Iraque, Oriente Médio, Afeganistão: o statu quo, tão caro e destrutivo, parece difícil de romper. De resto, foi invocando a necessidade de uma retirada do Iraque que Obama começou sua campanha em 2007 e foi graças a essa insistência que venceu Hillary Clinton – hoje sua secretária de Estado – nas primárias do Partido Democrata.

No entanto, o calendário dessa retirada já parece opor o novo presidente (mais impaciente) e os militares (mais "prudentes") (International Herald Tribune, 15 de janeiro de 2009). Mas a impaciência de Obama não se explica por uma disposição a favor da paz. A sua vontade é deslocar para o Afeganistão parte das tropas que vão sair do Iraque. Mas não há certeza alguma de que as perspectivas de um novo atoeiro sejam menores em Cabul do que em Bagdá.

Politicamente, o novo presidente tem as mãos livres. A paisagem de escombros que herda vai condenar seus adversários políticos a uma certa moderação. Sua eleição, conquistada com certa folga, beneficiou-se do entusiasmo das forças vivas da nação, os jovens em especial. Enfim – as edições especiais muitas vezes hagiográficas que a imprensa do mundo inteiro dedica a Obama sugerem isso -, a esperança que sua entrada na Casa Branca desperta é enorme. E isso não se explica só porque o presidente dos Estados Unidos é negro. De repente, a "marca América" voltou a brilhar. Algumas decisões com forte conteúdo simbólico relativas ao fechamento de Guantânamo e à proibição da tortura vêm fortalecer esta sensação de era nova. "Devemos ser tão diligentes em nos conformar a nossos valores quanto em proteger nossa segurança", anunciou o novo presidente.

Agora as dificuldades começam. Não é suficiente irrigar a economia dos Estados Unidos com liquidez para que a máquina econômica e o emprego voltem a se pôr em movimento.  A preocupação da população quanto ao futuro é tão grande que, em vez de se dispor a consumir mais, ela poupa mais do que nunca (The Wall Street Journal, 6 de janeiro de 2009). A taxa de endividamento das famílias, que não parava de crescer desde 1952, teve seu primeiro retrocesso no terceiro trimestre do ano passado.

O que é certamente desejável a curto e médio prazo coloca em perigo o reaquecimento rápido mediante o consumo e o investimento que a nova equipe da Casa Branca espera. "Se não fizermos nada, esta recessão pode durar anos", prevê Obama, com a vontade de que seu programa de gastos suplementares de U$ 775 bilhões, composto de despesas públicas e reduções de impostos, seja adotado o mais rápido possível pelo Congresso. Será suficiente? Alguns economistas democratas, como Paul Krugman, acham que é pouco e mal planejado (The New York Times, 8 de janeiro de 2009).

A situação internacional também não parece ser favorável a resultados imediatos. Deliberadamente ou não, os dirigentes de Israel colocaram seu grande aliado diante de um fato consumado – uma guerra particularmente impopular no mundo árabe – e obrigaram o novo presidente a se envolver num terreno minado, que não era sua prioridade. Se ele demonstrar parcialidade nesta questão, pois ninguém mais imagina que os Estados Unidos possam um dia defender uma posição equilibrada no Oriente Próximo, pode enfraquecer logo sua popularidade internacional.

Mas nem tudo se resume a um homem, ainda que seja novo. Tanto mais que a novidade é muito menos perceptível quando se examina as escolhas que Obama fez para seu gabinete. Para uma ministra do Trabalho próxima dos sindicatos, Hilda Solis, que promete uma ruptura com as políticas anteriores, há uma ministra das Relações Exteriores, Hillary Clinton, cujas orientações diplomáticas se diferenciam pouco do passado, e um ministro da Defesa, Robert Gates, herdado da administração Bush.

A diversidade da equipe não é de natureza sociológica. Vinte e duas das trinta e cinco primeiras designações de Obama são de gente formada por universidades de elite dos Estados Unidos ou por um "college" da fina flor britânica. Isso lembra um pouco a volta à "competência", aos "best and brightest" (os melhores e os mais brilhantes) da administração Kennedy-Johnson. A falta de modéstia que caracteriza esse tipo de indivíduos os leva às vezes a superavaliar suas forças e a se tornar arquitetos de catástrofes planetárias, como se observou na guerra do Vietnã. Nos Estados Unidos, nos tempos atuais, é mais o atolamento "centralizador" que a ousadia do "Yes, we can" (Sim, nós podemos) que seria a ameaça mais terrível.

Serge Halimi é diretor presidente e editorialista do conceituado jornal francês Le Monde Diplomatique.