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O “suruba” de Romero Jucá

romero jucaA “suruba” de Romero Jucá (PMDB-RR) causou revolta. Além da escolha da expressão, absolutamente incompatível com a posição de senador da República, o tom de “se eu não tiver, ninguém tem” lembrou aquele dono da bola que, inconformado com a própria perna de pau, ia embora e levava a bola junto, acabando com a partida. As informações são da Folha de S.Paulo.

Apesar disso, a discussão levantada é interessante. O Brasil é o único país do mundo em que milhares de autoridades possuem foro privilegiado. Os tribunais superiores, que estão sempre sobrecarregados devido ao extenso rol de prerrogativas definido pela Constituição de 1988 –para se ter uma ideia, a Corte Constitucional brasileira chega a acolher mais de 80 mil julgamentos por ano–, não têm capacidade técnica para julgar essas autoridades, não só pela quantidade de processos com os quais têm de lidar, mas por não serem estruturados para colher provas.

Em tempos de reformas que vêm para acabar com privilégios e colocar a economia nos trilhos, faz todo o sentido discutir o foro no qual as nossas autoridades são julgadas. Uma garantia para o bom exercício de uma função pública não pode ser sinônimo de impunidade.

Apesar disso, essa discussão não se deve dar no STF –como malabaristas jurídicos do tipo do ministro Barroso desejam–, mas sim no Congresso. O Supremo foi feito para julgar, não para legislar. As leis refletem os valores da sociedade, valores esses que devem ser debatidos por representantes da população, no caso, os parlamentares. Com a devida vênia, os excelentíssimos senhores de toga da mais alta corte do país não receberam nenhum voto. Os ministros têm legitimidade para fazer a lei ser cumprida, não para transformar os anseios da população em lei.

O correto seria, então, acabar com o foro privilegiado? Acredito que não. O presidente da República, os ministros de Estado e os governadores precisam estar protegidos de abusos e perseguições judiciais, caso contrário, ficarão mais preocupados em se defender de processos do que em governar.

Quem deve julgar os casos envolvendo essas autoridades? Essa é uma questão a ser discutida. Na França, por exemplo, quando membros do governo cometem infrações ligadas ao exercício do cargo, o julgamento dessas autoridades acontece em uma corte especial, a Cour de Justice de la République, cuja única função é julgar pessoas com foro privilegiado.

“Ah, mas nos Estados Unidos não existe foro privilegiado!”, dirão alguns. É verdade, mas a Constituição americana dá muito menos poderes à Justiça e divide muito mais a jurisdição das instâncias. Lá um juiz de primeira instância de São Zézinho da Esquina não tem o poder de bloquear um aplicativo como o Whatsapp em todo o país com uma canetada, por exemplo.

Devemos limitar a quantidade de autoridades que detêm foro privilegiado porque o STF é um mal isolado em meio a um judiciário virtuoso? Não. Há problemas graves em todas as instâncias. Basta lembrar da juíza paraense que prendeu uma menina de 15 anos numa cela com 30 homens, ou do juiz carioca que, ao ser pego dirigindo embriagado, tentou se livrar da punição na base da carteirada, ou, ainda, dos supersalários evidentemente inconstitucionais, mas, de alguma maneira, “legais”, recebidos por incontáveis juízes país afora.

Foro privilegiado não é para todo mundo, mas também não é para ninguém. A discussão é complexa e deve ser pautada por argumentos racionais, não por esperneios apaixonados ou interesses corporativos. Esse é um debate que não é e não pode ser tratado como suruba.

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