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O STF e o rito do impeachment

O STF e o rito do impeachment

Osmar Serraglio

O recente julgamento do Rito do Impeachment e o comportamento do STF diante dos desafios de guardar os princípios democráticos da separação dos Poderes e da guarda da Constituição são questões que devem ser exaustivamente debatidas pela Sociedade. Para evitar a concentração do poder nas mãos de uma só pessoa, surgiu o princípio da separação de poderes, segundo o qual devem ser depositadas em mãos diferentes as competências para elaborar as leis (Poder Legislativo), executar os atos decorrentes da lei (Poder Executivo) e decidir os conflitos sobre a aplicação da lei (Poder Judiciário).

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 16, afirmava que a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes não seria democrática. Quando se defende a competência do Congresso Nacional, o que se busca é o respeito a esse princípio que, aliás, a Constituição consagra como cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada.

Os deputados federais juraram obediência à Constituição, em cujo art. 49, inc.XI, lê-se que lhes compete “zelar pela preservação de sua competência legislativa”. É isso uma decorrência do princípio pétreo da separação dos poderes. Não importam os partidos ou tendências dos parlamentares e, sim, a defesa da instituição, quando o STF a ameaça. O art. 102 da Carta Magna reza competir ao STF “precipuamente, a guarda da Constituição”, ou seja, impedir a violação do princípio da separação dos poderes.

Daí ser rematado ato antidemocrático subtrair competência do Poder Legislativo, que representa o povo, verdadeiro titular do poder (art.1º,p.ún. CF). Foi o que ocorreu quando o Ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n.378 do STF (rito do processo de impeachment), interferiu em atribuição do Poder Legislativo, ocultando dispositivo regimental que definia ser secreto o voto na eleiçáo da Comissão Especial do Impeachment.

A razão é simples: trata-se de matéria desconstitucionalizada, ou seja, estava na Constituição e passou a ser regulada por dispositivo infraconstitucional. O art. 43 da Constituição de 1946 estatuía que, nas eleições da Câmara, o voto deveria ser secreto. Nas Constituições de 1967 e de 1988, deixou de ser regrada no Texto Maior, passando para os Regimentos das Casas Legislativas (art.58 da CF). Com esteio neste dispositivo, a Câmara e o Senado estabeleceram ser secreto o voto nas eleições (art.188, III do RICD e art. 291. II do RISF), como é o caso da Comissão Especial de Impeachment.

Não se questiona ser melhor ou pior o voto secreto, mas quem a Constituição autoriza a defini-lo. Por isso, 3 Frentes Parlamentares, a da Agropecuária, a da Segurança Pública e a Evangélica, representando mais de 300 deputados, questionam o procedimento do Ministro.

O “Equivoco” do Voto Não Secreto

O Ministro Barroso admite o voto secreto mas argumentou que não havia dispositivo regimental que o previsse, senão para os casos que leu. Sucede que o art.188, inc.III, do Regimento da Câmara determina que, nas “eleições” da Casa, o voto deve ser secreto.

O Teatro de Comportamento

Ao ler aquela norma, o Ministro estancou a leitura exatamente antes da palavra “eleições”, sem dar qualquer explicação, como se nada ali houvesse escrito. No Plenário da mais Alta Corte do País e decidindo sobre a relevante questão do mandato do Presidente da República propositadamente deixou de dar conhecimento ao Sodalício da existência de previsão regimental sobre voto secreto em caso de eleições. Tanto assim é que o Ministro Teori Zavascki chamou a atenção para a existência de dispositivo no Regimento e, quando lia a parte final do art. 188, III, chegando no texto que solucionaria o caso (eleições), foi interrompido pelo Ministro Barroso que, demonstrando evidente necessidade de impedir que a palavra fatídica fosse lida, começou a ler novamente o texto salientado pelo Ministro Teori e paralisando a leitura antes da expressão “eleições”.

Falácia Legislada

Para constatar a verdade dos fatos, é relevante assistir o voto do Ministro Barroso, na internet, atentando-se para o instante crucial em que cronologicamente se observa que o Ministro Teori só concordou com o voto do Ministro Barroso depois que este concluiu a leitura, omitindo o texto e dizendo que nada mais havia no Regimento. Para mais convencer, o Ministro Barroso afirmou que seguia idêntico procedimento àquele aplicado no Caso Collor, tanto no Legislativo quanto no Judiciário. Tristemente, não foi o que fez.

O Voto é Secreto

Primeiro, porque o STF nunca julgou como deveria ser constituída a Comissão Especial. O que julgou foram os atos praticados por ela, depois de sua criação. Não sua constituição. Segundo, porque o STF nunca decidiu que não poderia ser por voto secreto a criação da Comissão; e terceiro, a Constituição (par. ún.,art.85) estatui que “lei especial”, estabelecerá o processo de impeachment. O STF reconheceu, no Caso Collor, que essa “lei especial” é a Lei 1079/50 e ela determina (art.19) que a Comissão deve ser “eleita”. Por ser eleita, deve sê-lo por voto secreto, tal qual disciplinado no Regimento.

Assim, o que o Ministro Barroso sustentou foi triplamente contra o julgamento do Caso Collor no STF. Quanto ao processo na Câmara, no episódio Collor, o equívoco do Ministro foi duplo. Primeiro, porque não observou que as Comissões Permanentes da Câmara não são eleitas, ao contrário da Comissão de Impeachment que deve ser eleita, por determinação expressa da Lei.

Segundo, porque, quando da criação da Comissão no Caso Collor, foi levantada Questão de Ordem – o que firma jurisprudência da Casa – pelo Deputado Adylson Motta sobre a possibilidade de candidatura avulsa. O Presidente Ibsen Pinheiro respondeu ser possível a candidatura avulsa para integrar aquela Comissão. Na internet está disponibilizada a Ata da sessão (dia 08.09.92), onde se observa a Questão e a resposta positiva.

Assim, o voto do Ministro Barroso não obedeceu ao que decidiram o STF e a Câmara – e atentou contra a segurança jurídica, pois que a ambos contrariou. No Caso Collor, o STF não decidiu que a criação da Comissão deveria ser por voto secreto. Na Câmara, reconheceu-se a possibilidade de candidatura avulsa.

Aliás, pretendeu o Ministro Barroso inovar o conceito de “eleição”, equiparando-a à “escolha”, no que foi contrastado pelo Ministro Gilmar Mendes.

Eleição x Homologação

Como a Lei de Impeachment determina a proporcionalidade partidária na formação da Comissão, pretendeu-se que seriam os líderes dos partidos que indicariam os integrantes. Ocorre que, como a Lei n.1079 determina que a Comissão é eleita, significa que o eleitor pode escolher entre opções. No caso de indicação pelos líderes, sem possibilidade de candidatura avulsa, não se trataria de eleição, mas de homologação, porque a Casa toda ficaria submetida à escolha do líder.

O voto secreto e a candidatura avulsa, em eleições na Câmara são matérias consolidadas, tanto que o Ministro Dias Toffoli, que isso vivenciou, esforçou-se para evidenciar o erro em que a Corte incidia.

Barroso induziu seus Pares ao erro

Na verdade, quando se trata de eleição, a regra é a do voto secreto. Assim o afirmam os Regimentos da Câmara e do Senado, como também os Regimentos dos Parlamentos do mundo (Portugal, art. 97; Itália, 49-1; França, 63; Parlamento Europeu, 182). O STF olvidou que ele próprio, assim como o Ministério Público, são obrigados a realizar votação secreta em suas eleições (arts. 98, 119, 120, 130- A da CF).

A diferença de apenas um voto, no STF, evidencia que dever-se-ia ter adotado o princípio da modulação, mantendo-se a Comissão eleita, para não criar o impasse em que ora se encontra a Câmara. A não ser que a intenção fosse, efetivamente, a de instaurar o impasse, para dar sobrevida política a alguém.

A decisão do STF interfere diretamente na forma e no conceito da separação dos Poderes, quando determina alteração de procedimento interno decido pelo Parlamento. A dificuldade final é a seguinte: se a mais Alta Corte do País julgar contra a Constituição, como proceder? Criar um conflito de Poderes, desobedecendo-o civilmente?

A Nação espera o máximo de ponderação das autoridades envolvidas.

Osmar Serraglio (PMDB) é deputado federal pelo Paraná.