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“O sistema não tem interesse em desenvolver o futebol brasileiro, e sim,um ou dois clubes como se eles representassem todo o país”.

 

Mário Celso Petraglia

Uma vez favorecido, sempre favorecido. Todo monopólio parte do princípio de que não é aberta a outros a participação no grupo daqueles que controlam um sistema e determinam as regras que o operam. Toda iniciativa para mudar qualquer ordem nessa dinâmica tende a ser frustrada, pois o teto de cada um é preestabelecido pelos próprios organizadores desse sistema.

É importante fazer este ponto antes de começar a responder à questão trazida para este debate: “O modelo de divisão das cotas de TV para os clubes de futebol é adequado?”

O dirigente Mário Celso Petraglia:
Nós, do Athletico Paranaense, estamos há mais de 20 anos dizendo que não. Antes mesmo de haver questionamentos a respeito dessa adequação. Antes de a mídia se modernizar e de o termo “cotas de TV” soar anacrônico. Antes do streaming, de comunicação multiplataforma, de tecnologia de produção e de transmissão mais acessíveis.

Mas parece que ainda vivemos no Brasil que liga a TV para ver um só canal, com uma só linguagem e abordagem. É algo que permanece há mais de meio século —e os mais favorecidos dizem que “tem que manter isso aí”, agindo pesado contra qualquer mudança.

É determinante a quebra desse modelo para que o Brasil retome seu protagonismo como escola no futebol mundial, pois paramos no tempo.

O sistema não tem interesse em desenvolver o futebol brasileiro, mas em desenvolver um ou dois clubes como se eles representassem todo o país. O consórcio do poder foi bem sucedido na construção dessa pirâmide que distribuiu os clubes em castas.

Se por um lado foi desenhado o organograma de influências, por outro foi determinado o tempo de exposição e de valorização e estabelecidos os personagens nessa pirâmide. O que estamos vendo agora é apenas a consolidação desse plano, que só não havia sido atingida ainda por más gestões.

Criou-se uma narrativa de que toda audiência nacional se interessa e quer ver o Flamengo. Uma euforia fomentada por matérias em clima de mobilização, de que há algo muito importante acontecendo quando o time da ponta da pirâmide joga. E essa ideia de “maior time do país” se manteve, independentemente de resultados.

Como um time com tanto apoio teve tão poucas conquistas, ao longo das décadas, em proporção às suas possibilidades?

Os títulos e o domínio técnico à altura do seu favorecimento só vieram quase 40 anos depois do primeiro campeonato de expressão; e, mesmo assim, durante todo esse tempo, o sistema não se alterou. Nada foi construído para que os mais organizados alcançassem os resultados, mas para que “os escolhidos” possam ser beneficiados de várias formas até que confirmem finalmente sua força. É a típica meritocracia à brasileira.

Imagino se fôssemos nós, do Athletico, com tanto vento a favor. Focamos no trabalho e na competência para forçar uma mudança de patamar à custa de muita ousadia, planejamento, sangue e suor.

O paradoxo é que, justamente quando o objetivo é alcançado, o sistema mostra sua saturação: a discrepância fica tão contrastada que expõe o favorecimento. Fica clara a necessidade de redistribuição dos valores, mais em linha com o cenário esportivo e tecnológico atuais. Fica gritante a urgência da mudança na legislação que permita o aporte de capital internacional nos clubes, como é há tempos nos maiores centros do futebol, e fazer com que os melhores atletas do mundo joguem em uma liga forte aqui no Brasil.

É preciso mudar para que no futuro não tenhamos apenas um time entrando em campo —e todos perdendo por WO.

Mário Celso Petraglia
Presidente do Conselho Administrativo do Clube Athetico Paranaense