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O retrato da violência

 

Os trágicos números do Atlas da Violência mostram as desigualdades do País e o fracasso das políticas sociais

Editorial Estadão

Elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública, com base em dados extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidades do Ministério da Saúde, o Atlas da Violência de 2019 revela que o número de homicídios no País bateu novo recorde em 2017, chegando a 65.602 ocorrências. Esse número é o dobro da média anual de homicídios ocorridos no período de 1984 a 2004, quando levantamentos comparativos nessa área começaram a ser feitos com regularidade por órgãos oficiais.

Outro dado importante é que a violência teve forte crescimento no Norte e no Nordeste, mas caiu no Sudeste e no Centro-Oeste, tendo se estabilizado no Sul. Em 2017, o índice nacional foi de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes. Mas, em São Paulo, ele ficou em 10,3, enquanto no Rio Grande do Norte atingiu 62,8 homicídios por 100 mil habitantes. Quando o índice é superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes, a Organização Mundial da Saúde classifica a violência como “epidêmica”. O Estado que registrou o maior crescimento no número de homicídios, entre 2016 e 2017, foi o Ceará, com uma alta de 49,2%. No Acre, a variação foi de 42,1%. Entre 2007 e 2017, o número de homicídios nesse Estado cresceu 276,6%.

A redução da violência no Sudeste decorre, entre outros fatores, da formulação de políticas eficientes de segurança pública e de investimentos na modernização das polícias. Em São Paulo, por exemplo, onde os índices de violência caíram 4,9% entre 2016 e 2017, a gestão do governador Geraldo Alckmin renovou frotas de viaturas policiais, investiu em inteligência e abriu concursos públicos para recrutamento de policiais, médicos legistas e peritos. Recentemente, o governador João Doria autorizou a realização de novos concursos, para contratar e equipar 250 delegados de polícia, 900 investigadores, 1.600 escrivães e 189 médicos legistas. Também anunciou planos para aumentar o efetivo da Polícia Militar.

Já o crescimento da violência no Nordeste, onde vários governos estaduais há muito tempo não investem na modernização dos órgãos da segurança pública nem fazem concursos para preencher as vagas de policiais que se abrem, resulta do aumento do consumo de drogas e da inépcia das máquinas administrativas. Na Região Norte, onde o número de homicídios no Estado do Amazonas dobrou em uma década, o crescimento da violência é atribuído pelo Atlas à guerra por novas rotas do tráfico, que saem do Peru e da Bolívia e envolvem três facções criminosas: o Primeiro Comando da Capital, o Comando Vermelho e o Bonde dos 13.

Com relação ao perfil das vítimas de homicídios, o Atlas da Violência revela que a maioria é de homens jovens, solteiros, negros, com até sete anos de estudo, e que estavam na rua nos meses mais quentes do ano, entre 18 e 22 horas. Segundo o estudo, a taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1% entre 2016 e 2017, enquanto a de não negros teve aumento de apenas 3,3%. Os Estados com as taxas mais altas de vítimas negras estão no Nordeste. Ao todo, foram mortos 35.783 jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos em 2017, o que equivale a uma taxa de 69,9 homicídios por 100 mil habitantes. Foi a maior registrada nos últimos dez anos. O estudo aponta ainda o crescimento dos homicídios com vítimas femininas. Em 2017, foram mortas 4.936 mulheres. Mas, enquanto no Rio Grande do Norte e no Ceará o aumento foi de 214,4% e 176,9%, respectivamente, entre 2007 e 2017, no Distrito Federal e em São Paulo eles caíram 33,1% e 22,5%.

Os trágicos números do Atlas da Violência mostram as desigualdades sociais do País. Refletem o fracasso das políticas sociais das últimas décadas. Mostram que muitos Estados têm falhado na gestão da segurança pública. E deixam claro que o problema da violência só será equacionado não apenas quando a economia voltar a crescer, mas, também e principalmente, quando o País, com uma rede de ensino básico de qualidade, for capaz de permitir a emancipação cultural e social das novas gerações.

link do editorial
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-retrato-da-violencia,70002859660