BV é um ralo que chupa verbas de outros meios
Marcelo de Carvalho
Sempre fui leitor das publicações da Abril. Por vezes, não concordei com suas posições editoriais. Mas, independente de qualquer juízo profissional, político ou ideológico, é uma lástima ver a derrocada de um grupo de mídia e conteúdo tão importante. Mas o que a derrocada da Abril nos ensina? Qual a lição que podemos tirar e, sobretudo, quem podemos apontar como responsável?
É óbvio que é mais fácil acusar o vilão atual da mídia impressa: a internet. Explicação que tem tanto de rasa e rápida quanto de burra. Não é nada disso.
Vejamos alguns exemplos: grupos como a Condé Nast, publicadora de títulos mundiais, a News Corp, controladora do New York Post, e até nosso IVC revelam otimismo, apesar do óbvio declínio nas edições impressas, pelo enorme salto de audiência (aqui de até 288%) no digital. Ou seja, essas publicações não só não foram assassinadas pelo online como, pelo contrário, estão sabendo surfar a onda e ganhar desafiantes horizontes.
Para isso, todos têm que fazer algo importante: investir pesado para a migração ou adaptação de suas plataformas para o digital. Investimentos em tecnologia, inteligência, marketing e pessoal. E aí que está o nó da derrocada da Abril e de outros que estão com o pescoço no cadafalso: como investir se não há dinheiro?
E por que não há dinheiro? Porque a maior parte das verbas publicitárias vai para a Globo devido ao BV (bonificação por volume), um rebate de bilhões pagos para agências de publicidade. Para se ter uma ideia, só no meio TV, a Globo, com apenas 33% de audiência, fica até com 90% do dinheiro do mercado –em anos de crise como os últimos, em que há um natural enxugamento de verbas dos anunciantes, esse ralo passa a chupar também as verbas dos outros meios.
Esse, sim, é o verdadeiro vilão da derrocada da Abril e do sufoco do mercado como um todo: o BV, eufemisticamente chamado de “Planos de Incentivo”, uma espécie de propina legalizada. Nos grandes mercados do mundo, especialmente os EUA, essa prática é crime. Foi proibida, pois, ao passar um benefício ao intermediário, na melhor das hipóteses, este pode ser tentado a alocar os investimentos de seus clientes onde lhe é mais rentável, e não onde é mais rentável para o anunciante.
Não há cálculo de mídia, de rentabilidade ou adequação de público que justifique a concentração de até 90% das verbas em um veículo que tem 33% de audiência. E aí mínguam os anúncios na Veja, na Claudia e, por consequência, míngua a Abril.
Essa prática foi consagrada por uma lei do ex-presidente Lula em 2010, por coincidência às vésperas do mensalão, por coincidência coordenado por um publicitário, Marcos Valério, por coincidência julgado o caixa pagador do propinoduto com muitos recursos que teriam vindo…por meio do BV.
Não podemos generalizar. A publicidade brasileira está lotada de profissionais sérios e brilhantes, que fazem o melhor pelos clientes. Mas, enquanto não for proibida essa prática, continuaremos a ver um verdadeiro assassinato em massa dos outros veículos, um atentado à liberdade de imprensa, a continuação da hegemonia de um só microfone em detrimento dos demais.
Espero que o comprador da Abril, vendida a um preço simbólico em troca da assunção das dívidas, tenha fôlego financeiro e executivo para não deixar morrer o legado de Victor e Roberto Civita. Mas, enquanto não for endereçada a questão do BV, será impossível termos a real pluralidade de comunicação, fundamental para uma democracia e uma sociedade complexa como a nossa.
Marcelo de Carvalho
Sócio, vice-presidente e apresentador da RedeTV!
link artigo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/o-responsavel-pela-morte-da-abril.shtml
Deixe um comentário