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O rei da brincadeira – por Xico Sá

Amigo torcedor, amigo secador, se fosse vivo, o centenário Nelson Rodrigues teria uma dificuldade enorme em escolher um personagem da semana, como de praxe na sua crônica esportiva, que não fosse o artista Neymar Jr., cuja importância neste exato momento, em um modestíssimo pitaco de botequim, é como inventor de novas jogadas. É o maior do mundo nesse gênero.

Na quarta-feira, o menino que brinca também de ser autor de novos cortes de cabelo deixou uma novíssima patente ao mundo do futiba. Aquela coisa, ainda sem nome, de chapelar o adversário com um leve toque de chapa na bola, que, caprichosa, encobriu o atacante Nunes, do Botinha de Ribeirão Preto.

Quem repete jogadas, manjadas ou não, com eficiência e rigor tático pode ser chamado craque. Há muitos. Mas quem as cria entra à galeria dos artistas. Nem careço citar os seus Leônidas, Coutinhos, Pelés, Garrinchas, Rivellinos, Maradonas.

Parece que Neymar se diverte bolando, antes de pegar no sono, as suas artes. Esse negócio de contar carneirinhos para dormir não é com ele. Sorte nossa de poder testemunhar as proezas. Sorte mais ainda das crianças desta época que têm o rei da brincadeira, como o João da música “Domingo no Parque” de Gilberto Gil, em campo para servi-las.

Em alguns jogos do Santos, observo a reação dos pequenos que vão ao estádio. Eles riem antes de a bola chegar no 11 do Peixe. Com a imaginação, prescrevem, adivinham que dali vem alguma traquinagem.

Para a maioria dos torcedores e comentaristas esportivos, só tem valor a jogada desconcertante caso signifique um ganho para o time, caso agregue algum objetivo. Se consegue juntar a parte lúdica com o gol, caso do Neymar, ótimo. Confesso que aprecio de qualquer modo. Mesmo quando, aparentemente, é apenas uma firula dita inútil.

O que é a poesia, senão a bela inutilidade? Curto a traquinagem pela traquinagem. Privilégio de quem não carece mais de títulos e essas honrarias que entorpecem as massas.

É, caríssimo tio Nelson, com Neymar em campo fica difícil escolher o tal personagem da semana. Poderia elegê-lo, no meu rosário de obviedades, também como personagem pela simples presença ontem na festa dos meninos do Santos campeões da Copa São Paulo.

A cena futebolística da semana, sem dúvida, foi o momento em que Neymar entrega uma medalha da conquista para o presidente da CBF, José Maria Marin. Você há de recordar, amigo, que, no ano passado, o cartola “malufou” uma das peças da premiação. Acontece nas nossas melhores famílias da política.

É, tio Nelson, se o sr. teve o Garrincha, faço a louvação do cara do meu tempo. A obviedade, nobre cronista, continua valendo como religião e ciência. Hoje foi com a matéria do óbvio que ganhei mais uma vez o leite das crianças.