Arquivos

Categorias

O Palhaço sem risos

Do site Megafone – Pedro Lichtnow

De palhaço, ele não tinha nada. Quase não abria sorrisos. Era de poucas palavras e de gestos marcantes. Não costumava rasgar ceda indiana, nem fazer média. Por isso, não inspirava admiração de tantas pessoas.  Talvez esse excesso de autenticidade infligisse o caráter convencional e usual de alguns clientes e fregueses bêbados que passavam pela antiga casa de arquitetura enxaimel, ladeada por uma ampla varanda de madeira.  Naquela mesma varanda, perto da sacada, arrolaram histórias, estórias, causos e revoluções intestinais, reservadas no âmago de muita gente de rebeldia retórica, mas de prática evasiva. O Valdir, o Palhaço, despertava, quase sem querer, os mais distintos mecanismos de defesa do ego dos transeuntes do bar. Minha lembrança marcante remete a música. Remete ao rock in roll embalando as madrugadas no Bar do Palhaço. Remete aos diálogos “so beat”, às intermináveis partidas de sinuca, entre mesas lado a lado, disputando o apertado espaço do saguão do rústico boteco. Memórias boas do Valdir, ao contrário de alguns.

Coincidência ou não, todas as vezes que adentrava ao bar escutava o som nostálgico e bucólico do Creedence, uma das bandas favoritas do Palhaço. Batera das antigas, de performances cruas, secas e sarcásticas, Valdir cintilava ao ouvir John Fogerty e a trupe setentista.  Lembro-me de um breve diálogo que tivemos sobre os caubóis do rock.

A partir desse papo no balcão, mediado pelo amigo “lobisomagem”, vigorou-se uma empatia mútua. Sem dúvida, o Palhaço era um Bukowiski às avessas, mais rock in roll. Seu bar, não era um bar, mas a extensão da própria casa. Servir não era com ele. Preferia compartilhar, escutar boa música, ouvir disfarçadamente, mas de forma minuciosa e atenta, às histórias paralelas e adjacentes ao balcão de atendimento.

Não tinha paciência para devaneios etílicos, muito menos para bêbados melancólicos. Agora pedem ao Palhaço para fazer um Jam, lá em cima, com John Lord. Acontece que o Valdir, o palhaço, não faz média com ninguém, nem mesmo Lord. Portanto, a Jam rola apenas se der na telha e bater a vontade, a excitação das baquetas. No mais, Palhaço segue a própria jornada, certamente com a autenticidade genuína, mas os reflexos desta existência pela terra permanecem entre alguns e poucos iguaçuenses, na fronteira tríplice entre o Brasil, a Argentina e os amigos paraguaios.

Pedro Lichtnow é jornalista e editor do site Megafone.