de Rogério Galindo, no Caixa Zero, da Gazeta do Povo
É comum que em eventos do Judiciário alguém recite uma certa “Oração do juiz”. Começa assim: “Senhor, eu sou o único na terra a quem Tu deste uma parcela de tua Onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz socorrem, à minha palavra obedecem. (…) Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte à lei que eu represento e à Justiça, que eu simbolizo”.
A intenção pode até ser boa, já que a ideia é pedir que Deus dê a ele alguma humildade. Talvez a humildade devesse começar por não se comparar a um ser onipotente (manicures compartilham do poder divino de criar beleza, e nem por isso saem fazendo espalhafato sobre isso em orações públicas).
Esse é o tipo de coisa que vem de um círculo vicioso. Todo mundo trata os juízes como semideuses porque eles podem piorar o nosso destino sobre a terra (disso ninguém duvidará). Ao ver o quanto são temidos, os juízes podem tender a achar que seu poder é ainda maior. E embora alguns peçam humildade, outros parecem não estar nem um pouco preocupados com isso. Pelo contrário.
Neste ano, chegou ao Supremo Tribunal Federal uma ação de um juiz do Rio de Janeiro que queria obrigar os funcionários do prédio onde morava a chamá-lo de “senhor” e “doutor”. Estava indignado porque um dos empregados tratou-o de “você” e “cara”. Mais estranho: em primeiro grau, o juiz conseguiu uma liminar dada por um colega a seu favor, só derrubada mais tarde.
Na semana passada, outro caso chamou a atenção. Uma agente de trânsito que parou um juiz numa blitz da lei seca foi condenada a pagar uma indenização de R$ 5 mil a ele. O juiz estava sem carteira de habilitação e dirigia um carro sem placas e sem documentos. A indenização, por danos morais, ocorreu porque a agente, depois de ser avisada que se tratava de um magistrado, disse que ele era juiz, mas não era Deus. Aparentemente, não se pode dizer isso.
Os casos acima chamam a atenção pelo caráter folclórico. Mas a crença excessiva no próprio poder e na sua importância leva a abusos que afetam não só os que “desrespeitam” a autoridade, e que prejudicam o bolso de todos os cidadãos.
O auxílio-moradia concedido recentemente a todos os magistrados do país é uma amostra disso. O cálculo é que o pagamento custe R$ 1 bilhão aos cofres públicos por ano. Mas, segundo declaração do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto Nalini, isso é necessário. Primeiro, porque o salário do juiz pode parecer alto, mas ele precisa estar sempre com boa aparência, o que exige idas a Miami para comprar ternos. Segundo, porque é preciso animar o juiz para que não tenha “tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC”.
Uma outra conta reveladora: se um juiz depositar na poupança mês a mês durante 30 anos a sua verba de auxílio pode comprar uma moradia de R$ 4,4 milhões ao fim da carreira. Em Curitiba, isso corresponde a um imóvel de pelo menos 600 metros quadrados, vários andares (ligados por elevador, claro), piscina, sauna e uns seis banheiros. Com uma vantagem: por se tratar de casa, e não de condomínio, o proprietário poderá exigir dos funcionários que lhe chamem de doutor. Sem recorrer ao STF.
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