Editorial Estadão
Em visita aos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro prestou efusiva homenagem a Olavo de Carvalho, escritor e professor de um curso de filosofia online
No primeiro evento de sua visita aos Estados Unidos, um jantar para alguns expoentes do pensamento conservador norte-americano em Washington, o presidente Jair Bolsonaro, acompanhado da nata de seu governo, prestou efusiva homenagem a Olavo de Carvalho, escritor e professor de um curso de filosofia online, alçado nas redes sociais à categoria de “guru” do bolsonarismo.
Depois de dizer que Olavo de Carvalho “inspirou muitos jovens no Brasil”, o presidente Bolsonaro disse que “em grande parte devemos a ele a revolução que estamos vivendo”. Na ocasião, segundo o jornal Valor, o principal ministro do governo, Paulo Guedes, da Economia, referiu-se a Olavo de Carvalho em termos semelhantes: “Você é o líder da revolução”. Tudo isso horas depois de Olavo de Carvalho, que se faz notar por reiteradas ofensas públicas a integrantes do governo Bolsonaro, ter chamado o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, de “idiota”.
Nada disso parece abalar a profunda admiração do presidente pelo professor de filosofia online – que disse pretender “formar uma geração de intelectuais sérios que vão formar outros intelectuais sérios”, pois sua intenção, nada mais, nada menos, é “mudar o destino da cultura brasileira por décadas ou séculos à frente”. Diante da deferência presidencial a essa figura – Olavo de Carvalho sentou-se à direita de Bolsonaro durante o banquete –, torna-se obrigatório conhecer o pensamento de tão influente personagem e saber do que se trata, afinal, essa “revolução” à qual o presidente e seu ministro da Economia se referiram. Mas não é preciso grande esforço intelectual para resumir essa doutrina: para o guia do presidente, é “comunista” todo aquele que não for um apaixonado bolsonarista. E a tal “revolução” nada mais é do que o combate sem tréguas a esse “comunismo”, que estaria impregnado em todas as instâncias da vida nacional.
Não à toa, os dois ministros cuja indicação é atribuída a Olavo de Carvalho – o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez – são os mais estridentes porta-vozes dessa luta contra o “comunismo”. Parece ser justamente essa obsessão que une Olavo de Carvalho e Jair Bolsonaro. No banquete em Washington, o presidente declarou que sempre sonhou “em libertar o Brasil dessa ideologia nefasta” e “quis a vontade de Deus” que fosse ele, Bolsonaro, a desempenhar essa “missão”.
Foi então que o presidente chegou ao ponto essencial de seu discurso de pouco mais de quatro minutos: Bolsonaro disse que não é o momento de “construir coisas para o nosso povo”, e sim de “desconstruir muita coisa”. Segundo Bolsonaro, “o nosso Brasil caminhava para o socialismo, para o comunismo”, e seu governo será “um ponto de inflexão”.
Trata-se de um pronunciamento esclarecedor. A partir dele é possível concluir que Jair Bolsonaro foi eleito sem um plano de governo claro porque seu objetivo não é nem nunca foi construir nada, e sim destruir.
Compreende-se assim o caráter errático de sua administração e de sua atuação política. Bolsonaro atua com o único propósito de expurgar o País dos “comunistas” – que é como ele e seus militantes se referem aos petistas e, agora, a todos os que ousam apontar a falta de rumo do governo.
Em nome dessa “missão”, Bolsonaro não se constrange em oferecer aos Estados Unidos uma relação privilegiada mesmo sem ter garantias de que haverá reciprocidade norte-americana. Ou seja, em nome da luta contra o “comunismo”, o Brasil de Bolsonaro se coloca deliberadamente como subalterno na sua relação com os Estados Unidos, enquanto hostiliza parceiros comerciais de peso como a China comunista – não por acaso, alvo de duras críticas de Olavo de Carvalho. A “dependência” brasileira da China, aliás, foi criticada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no banquete em que o professor de filosofia online foi homenageado pelo presidente Bolsonaro.
Em outras circunstâncias, os devaneios filosóficos do presidente e de seu “guru” não passariam de chistes no anedotário político nacional; mas, no momento em que o Brasil precisa de seriedade e bom governo para se levantar depois da aventura lulopetista, essas piadas não têm graça nenhuma.
link do editorial
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-guru-do-presidente,70002760289
Deixe um comentário