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O espírito democrático

Geraldo Serathiuk
Ao me desligar do cargo de Delegado Regional do Trabalho um grupo de amigos do Conselho Estadual do Trabalho fez um jantar de homenagem e me perguntaram como estava analisando a realidade depois de uma experiência de mais de quatro anos. Contei a eles uma história e meu olhar após minha passagem pela DRT. Leia na integra aqui

O espírito democrático

Geraldo Serathiuk

Ao me desligar do cargo de Delegado Regional do Trabalho um grupo de amigos do Conselho Estadual do Trabalho fez um jantar de homenagem e me perguntaram como estava analisando a realidade depois de uma experiência de mais de quatro anos. Contei a eles uma história e meu olhar após minha passagem pela DRT. Contei que quando era criança eu ia ao cinema e quando aparecia o leão da Metro eu começava a chorar. Meus irmãos não agüentavam mais ter que voltar para a casa para me levar. Acharam uma solução, colocaram-me para ser o trocador de gibi na porta do cinema. E virei um leitor de gibi. Num tempo em que o meu professor de português obrigava a declamar um poema decorado de no mínimo 3 estrofes todo sábado sem poder repetir. Trabalhando pesado no campo, lia gibi e poesia, para aliviar o imaginário de criança.

Com meus doze anos visitava meus irmãos no presídio. Onde me indicavam livros. Foram embora e deixaram muitos lá em casa. Lia buscando uma explicação.

Aos dezessete, vim para Curitiba e me encontrei com pessoas que me tratavam como se os irmãos fossem, pois os meus estavam longe pela prisão e pelo exílio imposto pelos que os perseguiam. Pessoas de nível intelectual, que passaram a ser referência, e que me instigavam a continuar lendo e estudando, para ter o privilégio de estar com elas.

Trabalhando fora, fiz o curso de Direito, me tornei um autodidata, e ainda dava tempo para lutar pela democracia, pela anistia, diretas e constituinte. Neste tempo os que combateram desenvolveram dentro da estrutura psicologia a percepção do conflito, natural aos que vivem a perseguição e o embate. E tenho um lamento deste tempo que me emociona até hoje. O fato de meu pai não ter podido esperar para ver seus filhos voltarem, depois de 10 anos de prisão e exílio. Morreu triste num tempo escuro que deixou avarias psicológicas em muitos dos meus, o que me dá a certeza que o arbítrio deixou seus fantasmas lá em casa para continuar a assombrar.

Por isto aprendi com a realidade o tamanho da animalidade humana. Passando a ver as pessoas, não pelo cargo que ocupam e sim com o ser humano que significam. Aprendendo a enxergar as pessoas, seus afetos, sofrimentos, inseguranças e desejos. Pois independente de governo e de sistema aprendi que o arbítrio é uma chaga que tem raízes mais profundas.

Li, fiz os amigos lerem e continuo sendo um passador de livros e textos para que possamos melhorar. E nos últimos tempos li o livro “O Horror Econômico”, da escritora francesa Viviane Forrester, que retrata as mudanças no setor produtivo e os impactos sobre os trabalhadores. Li o contraditório, com a publicação do livro “O Horror Político”, do escritor francês Jacques Généreux, que aborda o significado da descontinuidade democrática que levou a desqualificação dos sistemas políticos e por conseqüência os políticos, que perderam a visão nacional e de longo prazo. Pensando no aqui e agora e no curral. Li Allan Bloom, que nos mostra a reforma de ensino feita no mundo tecnificando e desumanizando o saber, acoplado a implantação de uma sociedade de consumo através dos meios de comunicação de massa.

Mas disse aos meus amigos que estou esperançoso. Afinal o longo período de democracia continuada faz o liberal Maílson da Nóbrega dizer que o futuro chegou em seu livro recente. Pois os controles públicos e democráticos estão melhorando as políticas públicas. Acrescida da visão do prêmio Nobel da economia, Joseph Stiglitz, que ganhou seu prêmio mostrando que só há desenvolvimento com a popularização do crédito, ou como, Douglas North que nos mostra que os países que mais se desenvolveram foram os que construíram sistemas e instituições jurídicas democráticos, e isto tudo está acontecendo aqui. Esperançoso também porque o liberal Friedrich Hayek me ensinou a ver que mesmo com a concentração da mídia na mão de poucos o mais importante é o sistema de comunicação através dos preços. Sistema de preços que manda mensagens se um governo é bom para o povo ou não, independentemente das difamações dos que defendem interesses de poucos. Mas dissetambém que se sou esperançoso compreendo que precisamos trabalhar muito. Afinal a experiência me ensinou que para gerar trabalho decente não basta fiscalizar. Precisamos de um movimento sindical forte e representativo como nos ensina a metodologia da OIT, que diz que a primeira observação para ver se o trabalho dentro de uma empresa é decente, é ver se os sindicatos têm liberdade lá dentro, seguido de outros quesitos. Por isto a reforma sindical tem acontecer para que os trabalhadores possam ter representação no seu local de trabalho. Mas também para gerar trabalho decente precisamos crescer. Pois só o crescimento com mais investimento em ciência, tecnologia e educação está permitindo que o trabalho formal com melhores salários, com proteção previdenciária e outras proteções de saúde e segurança cresçam, a exemplo do que acontece com a compra de maquinas modernas com mais proteção. E com isto, aumenta o recolhimento do FGTS, fundo de poupança dos trabalhadores, que continuará permitindo mais políticas de crédito e investimentos em nosso país. O que nos livra de ser meros exportadores de commodities. Mas precisamos avançar institucionalmente com reformas como a tributária, política, da representação tripartite de trabalhadores, empresários e governo, junto ao Banco Central e a implantação de uma política industrial.

E é com este olhar que vou continuar a trabalhar pela democracia e pela consolidação do espírito democrático. Afinal o filósofo Friedrich Nietzsche disse que o saber está muito próximo ao conflito democrático, pois ele desenvolve a nossa percepção. Por isto manter a vivência democrática me dá a garantia pela teoria do conhecimento de Friedrich Nietzsche que cada vez mais teremos um país mais justo com governantes mais preparados e humanos, extirpando de vez o espírito do arbítrio, da ignorância e do egoísmo. Afinal os que o sustentam tem base no espírito da concentração da renda, da propriedade da terra, dos meios de produção e de comunicação, que ainda vivem entre nós.

Geraldo Serathiuk é advogado, especializado em Direito Tributário pelo IBJE.