Desde o início da década de 1990, quando o PCC foi criado em São Paulo, a principal facção criminosa que age dentro e fora dos presídios de todo o País nunca esteve tão enfraquecida como agora. Não que tenha sido desmantelada, mas a organização que controla a maior fatia do tráfico de drogas — e comanda as ondas de violência provocadas por traficantes e presidiários — sofreu um duro golpe em 2019, quando 22 de seus principais líderes encarcerados foram transferidos para três presídios federais de segurança máxima, onde permanecem praticamente incomunicáveis. Com o isolamento iniciado em fevereiro do ano passado, depois de um acordo entre o governador João Doria e o ministro da Justiça, Sergio Moro, os chefões não se comunicam mais entre si e tampouco conseguem transmitir suas ordens para seus capangas soltos nas grandes cidades. Com isso, a facção está sendo asfixiada pela polícia paulista, que contabiliza a apreensão recorde de cocaína (35,5 toneladas no ano passado, representando um aumento de 102,8% em relação a 2018) e o confisco dos bens empregados para o tráfico, como centenas de veículos, alguns barcos, 15 aviões e dois helicópteros. Tudo foi avaliado em quase meio bilhão de reais. Informações IstoÉ.
“O PCC não está desarticulado, mas a estratégia desenvolvida pela polícia criou barreiras que tornaram-se intransponíveis para as lideranças da facção” Ruy Ferraz, diretor-geral da Polícia Civil de São Paulo
A operação de identificação e transferência dos líderes da facção, comandada pelo diretor-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz, foi cirúrgica e fundamental para a desarticulação da cadeia de comando da facção. Os principais chefes do PCC, liderados por Marco Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, e Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Carambola, considerado o número dois da organização, foram transferidos para o presídio federal de Brasília, onde ficarão pelo menos durante os próximos três anos à ferro e fogo. Eles não podem se comunicar entre si, não recebem visitas íntimas e os contatos com os advogados são monitorados e somente possíveis por meio dos parlatórios (os presos se comunicam sob proteção de um espesso vidro e com uso de interfones). A possibilidade de serem introduzidos celulares ou drogas nessas prisões é praticamente nula. Sem comunicação, esses chefões não conseguem coordenar as mesmas ações que operavam de dentro das cadeias paulistas. Este não era o único canal. Quando estavam nas cadeias estaduais, as companheiras, os familiares e, sobretudo, os advogados dos presos transmitiam ordens para os criminosos fora das prisões.
“Interrompemos a comunicação deles, ferindo de morte seus planos de controle do tráfico de drogas, que é o que sustenta a organização”, explicou Ferraz em entrevista à ISTOÉ.
Todavia, o policial faz questão de dizer que o PCC não “está completamente desarticulado”. Ele ressalta que a estratégia desenvolvida pela polícia paulista criou barreiras que, por enquanto, se mostram intransponíveis. “É bem verdade que a facção tem outros líderes que ocupam presídios que não são de segurança máxima, comandando milhares de seguidores que atuam fora das prisões, mas a imobilização dos atuais chefões foi fundamental para que a organização sofresse o revés sentido em 2019”, disse Ferraz.
Facção fragilizada
No ano passado, a Polícia Civil paulista organizou aproximadamente 100 operações contra a facção, levando à prisão milhares de seus membros e ao fechamento de laboratórios de refino de cocaína. Um bom exemplo foi o caso registrado em outubro do ano passado na cidade de Nazaré Paulista, onde a polícia encontrou 2,2 toneladas da droga pronta para o consumo e prendeu 18 pessoas ligadas à quadrilha. Nessas operações, além de drogas e veículos, a polícia apreendeu cerca de 200 fuzis de assalto e submetralhadoras. A Secretaria de Segurança do Estado afirma que, em função da maior fragilidade da facção, os principais crimes praticados pelo PCC sofreram recuos consideráveis. Em 2019, a polícia registrou queda de 78,3% nos ataques a caixas eletrônicos, redução de 64,7% nos assaltos a banco e diminuição de 18,3% nos roubos a cargas no estado (6.558 em 2019, contra 8.023 em 2018).
Os chefões do PCC estão incomunicáveis dentro das cadeias federais e não conseguem transmitir suas ordens para os capangas que atuam nas grandes cidades
Mais do que apreender grandes quantidades de droga, inviabilizando a principal fonte de renda da facção, o que mais a polícia paulista deseja é minar o grupo financeiramente. Assim, somente no ano passado a polícia paulista retirou R$ 481 milhões dos caixas da facção. Mais do que isso, a polícia fechou uma das importantes torneiras de lavagem de dinheiro que o PCC vinha utilizando para ampliar seu poder econômico: as remessas feitas por doleiros, em operações a cabo, dos reais obtidos com a venda de drogas para o exterior. Nessas movimentações cambiais, os elevados valores obtidos com a droga eram convertidos em dólares, retornando ao País, depois de devidamente esquentados, em operações feitas por empresas fantasmas e laranjas. Uma dessas casas de câmbio, a TOV, era usada também por doleiros de empreiteiras e políticos corruptos envolvidos em crimes de desvio de verbas públicas.
A polícia quer agora encontrar uma forma eficiente de interromper o recolhimento de dinheiro entre os milhares de filiados ao PCC. Os recursos são empregados para a sustentação da estrutura e cobrados tanto de quem está preso quanto dos que estão em liberdade. De acordo com a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, o PCC recolhe de R$ 600 a R$ 800 ao mês de cada filiado ao Partido — como eles se autodenominam. Os que não têm esse dinheiro para a contribuição são obrigados a atacar caixas eletrônicos, roubar bancos ou cargas nas estradas. “Esses assaltos não são diretamente coordenados pelo PCC. Eles são feitos por iniciativa de seus filiados, que usam essas ações para pagar o que devem. O PCC só tem interesse no tráfico de drogas. O resto é de iniciativa dos filiados”, assegura Ferraz.
Já os que estão cumprindo pena nas cadeias são obrigados a sustentar o Partido de outra forma. Eles são forçados a comprar rifas, sobretudo de automóveis. Cada número de rifa custa cerca de R$ 20. Os que não possuem dinheiro para as rifas na cadeia obrigam parentes a cometer delitos para obter o dinheiro exigido pela organização criminosa. “Agora, nossa estratégia é a de impedir que o recolhimento dessas caixinhas continue”, disse o diretor-geral da Polícia Civil. Se o governo paulista não se precipita em afirmar que aniquilou o PCC, como de fato não o fez, o certo é que as autoridades comemoram avanços significativos contra o crime organizado. No ano passado foi registrado o menor índice de homicídios dolosos em décadas, com 6,5 vítimas fatais para cada grupo de 100 mil habitantes.
A média nacional é de 30 assassinatos para cada grupo de 100 mil. Para as famílias dos mortos não há alento, mas é inegável que a vida, principalmente nas periferias mais violentas, ficou um pouco menos pior.
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