O PSDB não terá candidato a prefeito nos maiores municípios do Paraná. Mas Beto Richa, o Capo di tutti i capi do tucanato nativo disputará as eleições em todos eles com o seu time. Escolhas pessoais. Ou seja, Beto Richa é muito maior do que o seu partido e do que a maioria dos partidos que o acompanha. Do PSB, de Luciano Ducci, passando pelo PPS de Rubens Bueno ao PSD de Eduardo Sciarra, que nasceu sob seu comando.
Nem o PMDB do outrora todo poderoso clã Requião escapa de sua capacidade de articulação que ganhou força desde que assumiu o governo. Todos sabem que os deputados do PMDB não conseguem viver longe dos palácios e de seus encantos. Afrouxou o sutiã e ganhou uma secretaria para Luís Cláudio Romanelli. Os demais têm privilégios nas sinecuras e benesses distribuídas. Doático Santos, histórico secretário-geral e escudeiro de Requião, ao lado de deputados como Alexandre Curi e Reinhold Stephanes, comandara a revolta interna que perderam na convenção, mas que continuam mesmo depois de Requião impor seu candidato a prefeito, Rafael Greca de Macedo.
São 15 partidos que Beto Richa comanda. Uma incrível miscelânea de siglas e pequenos suseranos que nem sempre se entendem. Dividir o espólio com toda essa gente exige paciência e muita conversa. Tarefa que ele comanda sem delegação a muitos auxiliares.
Na verdade, há dois homens que circulam nos bastidores e que fecham os acordos políticos. Fernando Ghignone, presidente da Sanepar, alçado a coordenador geral da campanha de Luciano Ducci, do PSB, em Curitiba. O outro é o homem da máxima confiança de Richa, Ezechias Moreira. Quando ele fala, os interlocutores sabem que fala por Beto Richa. Condição que costuma provocar azia no entorno administrativo de Richa.
Com discrição, seu irmão José “Pepe” Richa Filho e o primo Luiz Abi Antoun, figuram no círculo mais fechado. Ninguém, além dos dois, tem autorização para falar pelo governador em circunstâncias que exigem “segredo de Estado”.
Os demais, apesar das aparências, são coadjuvantes. Diz um empresário que roga não divulgar seu nome e que se diz amigo de Beto Richa, que a exigência capital para fazer parte do núcleo mais restrito do homem é a lealdade provada e comprovada durante muito tempo. “Richa separa muito bem seu grupo de confiança pessoal dos assessores de todos os escalões do governo”, diz ele.
Recentemente o presidente nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra, mostrou preocupação com a situação do PSDB do Paraná, que ficou alijado das eleições deste ano. “Não vamos disputar nenhuma prefeitura importante para garantir nossa base de apoio para a eleição presidencial de 2014”, disse. A resposta de Richa foi imediata e revela exatamente sobre o que ele pensa. “Quem tem o governador não precisa de prefeitos e vereadores”. Pois, pois, a afirmação pode ser traduzida assim: “Aqui quem manda sou eu. O PSDB sou eu. A base política de apoio dos tucanos sou eu”. E mais não disse nem foi replicado.
Richa impôs Ducci e Bueno Tanto manda que não deu a mínima para as ponderações e impôs como candidatos do grupo o prefeito atual Luciano Ducci. Fez mais. Impôs o vice de Ducci, o deputado federal Rubens Bueno, um crítico ácido do PSDB e da administração municipal. A filha de Bueno, Renata, foi a vereadora que detonou na Câmara Municipal os escândalos que feriram de morte o vice que o PSDB oferecia ao prefeito, o presidente João Cláudio Derosso.
Não há engov habilitado a desopilar o fígado de tucanos e de aliados que não engolem Rubens Bueno. A começar pelos outros candidatos a vice de Ducci. O deputado federal Fernando Francischini, tucano bem votado na última eleição, anunciou seu desejo de migrar para outro partido, o PEN – Partido Ecológico Nacional, que vem fornido pela bancada do rebanho da Assembleia de Deus.
Outro foi Ney Leprevost, deputado estadual mais votado em Curitiba entre os eleitos, membro do recém-formado PSD, tinha como certa sua indicação. Ele tem seu eleitorado cativo justamente na faixa onde Ducci tem muito pouco. Nem foi consultado. Soube da indicação de Bueno pelos jornais e agora é um pote até aqui de mágoas.
O mesmo já tinha acontecido com o ex-deputado federal Gustavo Fruet. Ele era o queridinho de nove de cada dez tucanos nativos. Considerado candidato natural do partido a prefeito de Curitiba. Pois bem, Beto Richa decidiu que o seu candidato seria Luciano Ducci, do PSB e seu vice na prefeitura. O PSDB não teria candidato. Um motim chegou a se esboçar, mas valeu a sua vontade. Esta é outra característica do governador. Muito afável nas conversas, desde que não seja contrariado. Ele insistiu para que Fruet permanecesse no partido e aguardasse a próxima eleição, em 2016.
Gustavo Fruet se sentiu preterido, fez as malas e deixou o PSDB cheio de mágoas e ressentimentos. Afirmou estar “sem espaço” na legenda. “Sempre mostrei disposição para disputar a eleição, mas houve o silêncio do partido”, disse.
Solidariedade nenhuma, só a do líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, voz discordante de Beto Richa e seu grupo e que reclama porque não é ouvido para nada nas decisões partidárias no Paraná. “Não me consultam, não me informam, vivo no ostracismo e do jeito que vai o PSDB vai acabar no Paraná”, diz ele.
Fruet ingressou no PDT sob os auspícios do PT de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, o casal que tem planos grandiosos como o de eleger Gleisi governadora em 2014. Rapidamente o PT esqueceu de Fruet como algoz de Lula et caterva na CPI do Mensalão, quando chamava o time do então ministro José Dirceu, Delubio Soares e o próprio Lula de quadrilha de corruptos e outros adjetivos que deram a ele o apodo de campeão da moralidade pública.
Foi constrangedora a cena do reencontro com Lula, mas todos sabem que na política brasileira nada é impossível e que as acusações só tem valor de momento. O inimigo de ontem vira aliado de hoje com a facilidade com que trocam de partidos e de cuecas.
O raciocínio de Gleisi Hoffmann corre sobre o fio da lógica e do pragmatismo. Fruet pode significar a quebra da base eleitoral de Richa em Curitiba, o que em muito ajudaria a sua campanha para o governo do Paraná, objetivo sempre distante do PT.
Nem tudo são flores para Fruet. Lula, grande eleitor, já afirmou que não vem para o primeiro turno da disputa eleitoral em Curitiba porque é amigo da família do apresentador Ratinho. Restaria a presidente Dilma Rousseff, que anda bem na aprovação popular. Mas se depender de sua vontade, Dilma só vai participar para valer da campanha eleitoral no segundo turno. A presidente tem dito a dirigentes dos partidos aliados e a auxiliares do governo que pretende passar ao largo da disputa num primeiro momento, seja para não suscitar ciúmes entre adversários de mais de um partido da base, seja porque acha que seu papel, agora, é cuidar para que a economia volte a acelerar depois dos sinais preocupantes do primeiro semestre.
Um Ratinho no caminho
Para acertar com Gustavo Fruet, Gleisi Hoffmann teve que convencer a maioria no PT, sufocar os motins internos dos que defendiam a “pureza” da candidatura própria, liderados pelos deputados Dr. Rosinha e Tadeu Veneri, e ao mesmo tempo convencer o PDT de Osmar Dias a albergar Fruet. A transição direta do tucanato para o PT seria traumática, orientavam os marqueteiros petistas.
Fruet tem cacife razoável. Ficou em terceiro lugar na disputa ao Senado – vagas conquistadas por Roberto Requião (PMDB) e Gleisi Hoffmann (PT) – e foi o candidato mais votado em Curitiba. “É bom lembrar que aceitei a candidatura ao Senado, convocado no prazo final da convenção partidária, mesmo depois de ter essa postulação recusada pelo PSDB, convite que só foi feito quando outra candidatura, de outro partido, não vingou – e abri mão da candidatura à reeleição de deputado federal”, disse, em carta aberta ao partido.
Para ficar com Fruet, o time que se opõe a Beto Richa sofreu perdas que não são de somenos. Ratinho Junior, do PSC, aliado do PT em todas as eleições no Paraná, inclusive da ministra Gleisi Hoffmann em sua candidatura ao Senado, tinha a solene promessa de que seria o candidato do grupo a prefeito de Curitiba.
Dançou. De repente, não mais que de repente, viu o PT assediar seu inimigo e oferecer-lhe o que considerava que seria seu, por mérito e por trabalhos realizados. O PT ficou com Fruet. Não acreditou na potencialidade de Ratinho Junior, deputado federal da base de apoio aos governos Lula e Dilma Rousseff.
As pesquisas de opinião divulgadas no ano passado mostraram que sua popularidade era muito maior do que imaginava a vã filosofia da marquetagem do PT nativo. Nunca deixou de estar no jogo, a disputar a ponta. Passou a ser assediado como vice ideal tanto pelo time de Beto Richa, como pelo de Gustavo Fruet e o PT.
Contra todos os prognósticos, Ratinho Junior não desistiu. Continuou candidato. Conseguiu a adesão do PR e do PC do B, que em troca ganhou o PSC em Porto Alegre para sua candidata Manuela D’ávila. Foi um espanto. Agora, as duas bandas que vão à luta com o apoio de máquinas administrativas esperam que Ratinho Junior definhe diante da força natural do Governo do Estado e da Prefeitura de um lado e do governo federal do outro. Ele não se assusta. Um de seus motes é esse: “sem governador, sem ministro, sem máquina, vou à luta sem vender princípios”.
Greca, o outro complicador
Como fica o PMDB depois da adesão de Doático Santos, Alexandre Cury, Stephanes Jr e Romanelli à campanha de Luciano Ducci?
— Ficou mais honesto, mais culto, mais inteligente e mais bonito, respondeu Rafael Greca.
É o estilo do ex-prefeito de Curitiba e considerado por muitos como o mais preparado de todos os candidatos a prefeito. Tem memória prodigiosa e presença de espírito que o tornam um adversário temido nos debates que virão.
Quando começou o movimento contra a sua candidatura dentro do PMDB ele não teve dúvidas. Alcunhou os adversários de “Bando dos Quatro”, referência ao bando dos quatro da política chinesa que acabou no cadafalso. E quando o marqueteiro de Luciano Ducci anunciou o slogan da campanha “Agora é 40”, para fixar o número da coligação, imediatamente ele reagiu.
— Vejam só, o bando dos 4 agora faz parte dos 40. Ali Babá que se cuide.
Bando dos 4 é como Rafael Greca chama seus desafetos que pularam a cerca para apoiar Luciano Ducci. Entre ele, Luiz Claudio Romanelli, Reinhold Stephanes Junior, Alexandre Curi e Doático Santos.
Nada escapa à sua verve ferina. Muito menos um slogan que parece piada pronta e que faz qualquer eleitor associar o 40 aos quarenta ladrões de Ali Babá.
— É de cabo de esquadra esse slogan, diz Rafael Greca.
Tirante as estripulias típicas da vida no PMDB e sua luta interna, Rafael Greca vai à luta com uma disposição de atleta, embora a imagem não corresponda ao seu avantajado corpanzil.
A briga, por ali, tem outros protagonistas e costuma vazar pelo twitter do senador Requião e do ex-governador Orlando Pessuti. Querem uma amostra? Aí vai:
— Sancho Pança de Jardim Alegre, Penélope Obscura, Jacu Assu, Bucéfalo, Obesa Ignorância, Fresco…., diz Requião.
— Maria Louca, Gardenal, Napoleão de Hospício, Insano, Comedor de mamona, Falso Brilhante…, rebate Pessuti.
Ora, pois, debates desse nível são comuns na política paranaense e especialmente no PMDB. Confronto que muito agrada a Beto Richa, especialmente depois que Requião anunciou que deve ser candidato a governador em 2014.
Certeza da vitória Com quinze partidos ao seu comando, mais da metade do tempo de rádio e TV para a sua chapa e com a popularidade e prestígio seu e de sua mulher, Fernanda, Beto Richa não teme a disputa. Justifica a escolha do vice de Ducci como “técnica” e decidida principalmente pelos argumentos favoráveis do seu marqueteiro de estimação, Nelson Biondi, que o tucanato de São Paulo lhe indicou e que fez as últimas eleições majoritárias de que participou como candidato.
Com a indicação de Bueno para vice, o PPS retira a pré-candidatura da filha do deputado, a vereadora Renata Bueno. “Só a presença dele vai salvar esse governo. Várias pesquisas mostram isso”, disse a vereadora, afirmando compreender a decisão e negando que seja um retrocesso para o partido. “Se fosse apenas um nome para compor a chapa, ele não aceitaria. Mas ele foi chamado pela força que o PPS traz e Curitiba vai estar em boas mãos.”
São os ossos do ofício. Volta e meia o time é obrigado a engolir despautérios como esse e aumentam a resistência dos aliados do prefeito desde o início das discussões, principalmente entre os vereadores do PSDB e do DEM. Renata Bueno, a filha de Rubens e agora musa palaciana, é detestada pela maioria dos vereadores do PSDB, do DEM e de todos os demais partidos.
Mas Beto Richa sabe driblar as resistências e dá tempo ao tempo. Importante para ele é vencer as eleições em Curitiba para impedir que o PT se expanda e o ameace em 2014.
Os primeiros sinais de que os insurretos se conformaram é o que disse Emerson Prado, vereador tucano e que não engole Rubens Bueno e sua filha Renata: “Só nos resta agora termos a grandeza de aceitar. Essas coisas acontecem na política. Todo mundo vai ser 40 (número do PSB) nas eleições, não vamos rachados. Mas é muito recente ainda, ninguém digeriu”.
Como se vê, mais uma vez se impôs a vontade imperial de Beto Richa.
— É o dono da bola e é ele que escolhe o time, sintetiza um deputado tucano.
Tá na hora de alguém começar a baixar a bola dessa pessoa.