Editorial, Estadão
Ao elencar os direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal cita o direito de resposta: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. O Projeto de Lei 6.446/2013, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, vai perigosamente além do que prescreve a Constituição. Com o intuito de regulamentar o direito de resposta, ele põe em risco a liberdade de expressão, igualmente garantida na Constituição.
O pecado original do projeto, do senador Roberto Requião (PMDB-PR), está em seu art. 2.º: “Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo”. Ora, sentir-se “ofendido” uma fórmula propositadamente vaga não capacita qualquer um ao direito de resposta, que deve corresponder apenas a quem é parte diretamente na questão.
A fórmula escolhida pelo senador Requião limita a liberdade de expressão e de imprensa na medida em que constitui verdadeiro instrumento de coação a quem queira se manifestar. Afinal, a responsabilidade, no caso, não está vinculada a um fato errôneo ou inverídico, mas a um sentimento, por natureza intangível e de comprovação impossível. Há, portanto, que retornar ao bom Direito. O direito de resposta deve ser assegurado nos casos de divulgação de fato errôneo ou inverídico.
A liberdade de imprensa abrange emitir opiniões fortes, às vezes duras, tantas vezes incômodas. Isso, no entanto, não deve ser motivo para abrir espaço a quem se sentiu “ofendido” fórmula, repitase, deliberadamente vaga e, por isso mesmo, perigosa para ver publicada gratuitamente sua opinião ou visão dos fatos.
A legislação anterior a famosa Lei de Imprensa continha evidentes falhas, as quais o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu serem suficientemente graves para declarála inconstitucional. No entanto, havia um importante resguardo para a liberdade de expressão. “Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação a opinião desfavorável da crítica, literária, artística, científica ou desportiva, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar”, dizia a lei em seu art. 27. Essa importante distinção não existe no projeto de lei aprovado pela Câmara.
Atualmente, com a Lei de Imprensa declarada inconstitucional pelo STF, o direito de resposta é regido pelo Código Civil e pelo Código Penal. Obviamente, ter apenas uma legislação geral regulando a matéria não é a situação ideal, mas a seu modo ela vem cumprindo o seu papel, assegurando a reparação de possíveis danos advindos da atividade jornalística, bem como a punição dos casos de crime de calúnia, difamação ou injúria. Longe de ser perfeita, a situação atual cumpre o que a Constituição Federal assegura liberdade de expressão e direito de resposta.
O mesmo não se pode dizer do Projeto de Lei 6.446/2013, que peca por um erro de perspectiva. O fundamento do direito de resposta deve estar no plano objetivo no equívoco da informação jornalística e não no sentimento provocado pela publicação de uma notícia. Não é a “ofensa” o que gera direito de resposta, mas sim a informação inverídica.
Esse aspecto é de fundamental relevância numa sociedade plural regida por um Estado laico. O mero sentimento de ofensa à sensibilidade pessoal não significa dano em sentido jurídico. O que se diria de uma análise literária? Ou de uma crítica teatral? Ou de uma opinião sobre um projeto de lei sobre questões de gênero? Certamente, em todos esses casos, haverá “ofendidos”, pessoas que ficaram incomodadas e descontentes. Isso, no entanto, está longe de configurar um abuso da liberdade de expressão, a exigir resposta. O sentimento pessoal não deve ser o critério para a regulação dos direitos. E é aí que falha o atual projeto de lei. O direito de resposta deve contribuir para um exercício responsável da profissão jornalística. Não para acuar ou constranger.
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