Não faz sentido sacrificar ainda mais o contribuinte, até porque a última eleição mostrou que a proibição das empresas só estimulou o caixa 2
Faltam pouco mais de cinco meses para o Congresso definir e aprovar as normas para as eleições gerais de 2018. O tempo é curto e parte das alternativas imaginadas até a primeira semana deste mês, consolidadas no relatório da Comissão de Reforma Política da Câmara dos Deputados se tornou obsoleta na terça-feira, quando o Supremo Tribunal Federal divulgou a lista de novos investigados da Operação Lava-Jato.
A edição extra de duas centenas de páginas que o STF mandou imprimir, no mesmo dia, com as decisões sobre os inquéritos, é o melhor retrato de um modelo político-eleitoral falido.
As confissões documentadas da Odebrecht são relevantes para se entender a dinâmica das relações espúrias, subterrâneas, entre agentes públicos e privados. E, também, para se compreender a dimensão do impasse em que se aprisionou o Congresso, que precisa avançar nas regras para as eleições gerais de 2018, como determina a Constituição.
No vácuo, proliferam propostas delirantes, como a da Comissão de Reforma Política que pretende substituir o Fundo Partidário pelo Fundo de Financiamento da Democracia. A nomenclatura atual já é ruim. A imaginada para substituí-la, além de parva, tem o agravante do viés da demagogia explícita.
A proposta da Comissão da Câmara para esse fundo, se aplicada, aumentaria em 162% o volume de dinheiro público transferido aos partidos. Passaria dos R$ 800 milhões reservados no Orçamento deste ano para R$ 2,1 bilhões.
A exorbitância choca. Menos pelo que deixa aparente, e mais pelo que oculta: a tibieza de políticos tradicionais acuados pelas investigações sobre corrupção em negócios públicos.
Eles fracassaram, até agora, nas tentativas de impor à sociedade a autoanistia, assim como em artimanhas como o voto em lista e, agora se vê, a exclusividade no financiamento público das campanhas eleitorais.
Demonizaram o financiamento privado, atribuindo-lhe a gênese da corrupção na política. Mas o que a eleição municipal demonstrou, ano passado, foi que esse exclusivismo do financiamento público conduziu o pleito a um recorde de operações paralelas, de caixa 2, como têm repetido ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Agora, diante de um país com as finanças alquebradas e perplexo com a extensão da corrupção revelada pela Lava-Jato, esses mesmos parlamentares pretendem aumentar o volume de dinheiro público que escoa para o comando de 35 partidos. Muitos deles, ressalte-se, são autênticas empresas familiares. Alguns têm no TSE recomendação para rejeição de até 96% das suas prestações de contas dos últimos cinco anos.
Há formas modernas, honestas, plurais e legítimas de financiamento da democracia. É hora de reexame da proibição do financiamento eleitoral privado. Não apenas por razões econômicas objetivas da penúria fiscal do país, mas porque a corrupção não está na atividade empresarial em si, e sim no ambiente espúrio criado por uma minoria de agentes públicos e privados, aproveitando-se do gigantismo do Estado brasileiro.
A reconstrução dos fundamentos éticos nos negócios públicos, com responsabilidade privada expressamente definida, é essencial ao vigor da democracia. É possível, sim, outra forma de se fazer política no Brasil.
Ela pode e deve se basear em regras transparentes e severas que impeçam que o contribuinte seja mais uma vez sacrificado ao ser obrigado a sustentar um fundo bilionário criado para partidos, muitos dos quais sem qualquer representatividade.
Editorial, O Globo
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