Editorial, Estadão
O Brasil assumiu a presidência pro tempore do Mercosul, até então ocupada pela Argentina, no momento mais importante da história do bloco sul-americano desde a sua criação, em 1991. A conclusão das negociações para a assinatura do acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), que duraram 20 anos, impõe aos quatro Estados-membros do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – não apenas importantes desafios domésticos, mas, sobretudo, um novo olhar sobre o próprio bloco.
A troca na presidência do Mercosul ocorreu por ocasião da 54.ª Cúpula dos Chefes de Estado do bloco, realizada em Santa Fé, na Argentina, na quarta-feira passada. Caberá ao Brasil presidir o Mercosul até o fim deste ano.
O presidente Jair Bolsonaro se consolida no posto de líder regional graças ao rodízio determinado pelo estatuto do bloco e no momento em que o presidente Mauricio Macri se vê às voltas com as incertezas de uma acirrada disputa eleitoral. A eleição presidencial na Argentina ocorrerá no dia 27 de outubro e pesquisas de opinião indicam empate técnico entre Macri e Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como companheira de chapa.
A liderança regional de Jair Bolsonaro, que parece estar confortável no papel, é um tanto paradoxal para alguém que ataca não só organismos internacionais em particular, mas o próprio multilateralismo como princípio norteador da concertação entre nações. Fato é que, se não por pragmática convicção, o presidente Jair Bolsonaro dá mostras de que vê o Mercosul com novos olhos, o que poderá ser positivo, com boas decisões para o bloco e, principalmente, para o Brasil.
O presidente brasileiro corresponderá às mais altas expectativas no exercício da presidência do Mercosul caso oriente o bloco na direção da abertura do comércio internacional e da modernização econômica dos Estados-membros que leve ao aumento da produtividade e da competitividade. Há bons indícios de que assim será. Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou que “há convergência entre os quatro membros fundadores do Mercosul no sentido de transformá-lo em instrumento para reforçar a competitividade e aumentar a integração de suas economias com os mercados regional e global”. Mas todo cuidado é pouco.
Em discurso, Jair Bolsonaro anunciou que uma de suas metas à frente do bloco será “eliminar o viés ideológico” do Mercosul. De fato, durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina, e de Lula da Silva e Dilma Rousseff, no Brasil, o Mercosul afastou-se muito de seus desígnios fundadores, chegando a ponto de, na prática, ignorar a cláusula democrática do Tratado de Assunção e aproximar o bloco de governos claramente antidemocráticos, como os da Venezuela, de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, e do Equador, de Rafael Correa. A propósito, a crise venezuelana continuará sendo pauta mandatória na agenda dos países do bloco até que se chegue a uma solução.
Mas Bolsonaro parece ignorar, inadvertida ou deliberadamente, que houve governos após aquelas perniciosas experiências populistas nos dois mais pujantes países do bloco que, a seu tempo, eliminaram os vícios da inclinação ideológica que reduziram o Mercosul ao amesquinhamento na região e à irrelevância no plano global. Afastar o bloco das paixões ideológicas que se sobrepõem aos interesses nacionais será sempre uma boa missão, mas até para isso é preciso prudência.
Pelo Twitter, Bolsonaro afirmou que “com a retomada do crescimento econômico e a liderança do nosso Brasil, o século 21 tem tudo para ser o século da América do Sul”. Concluiu a mensagem com uma exortação em tom épico: “Vamos mudar os rumos da nossa história!”. Não é preciso tanto. Um olhar mais pragmático e menos ideológico sobre a política externa, o respeito aos tratados e às leis internacionais e a adoção de políticas econômicas que levem ao aumento da presença do Mercosul – e do Brasil – na cadeia global de comércio estão de bom tamanho.
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