Ainda que prevaleça a ideia de que o Brasil é um país de jovens, que são decisivos nos processos eleitorais, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostram que a democracia brasileira tem uma face cada vez mais madura. Os idosos já representam 18,6% do eleitorado, ou 27,3 milhões de votos, enquanto que os jovens, de 16 a 24 anos, somam cinco milhões a menos: são 22,4 milhões ou 15,3% dos aptos a votar em outubro. Essa diferença é capaz de definir uma eleição. A mudança demográfica do eleitorado vem sendo percebida desde 2014, quando os dois grupos praticamente ficaram empatados no peso que têm nas urnas. Naquele ano, jovens representaram 16%, enquanto eleitores com 60 anos ou mais somaram 17%. As informações são de Daiane Costa e Igor Mello n’O Globo.
Essas novas proporções caminham juntas com a aceleração do envelhecimento da população, que ficará ainda mais evidente a cada eleição. O professor estima que o Brasil se tornará oficialmente um país envelhecido em 2031, quando o número total de idosos vai superar o de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Um ano antes, o eleitorado com 60 anos ou mais já terá dobrado em relação ao grupo que tem entre 16 e 24 anos.
— Em 2014, a vantagem dos idosos era muito pequena. Um empate técnico, estatisticamente. Essa é a primeira eleição com um aumento consistente de eleitores idosos, em que são maioria evidente. E, como vivemos cada vez mais, esse não é um eleitor que vai embora. Os candidatos terão de trabalhar questões próprias dos idosos e conhecer a realidade deles se quiserem conquistar e manter esse voto na eleição seguinte —observa o autor do estudo.
Na avaliação de cientistas políticos, ainda que idosos sejam mais conservadores em relação a valores e ao comportamento social, defendem o regime democrático e querem estabilidade econômica. Características que sugerem, nas urnas, a escolha de um candidato de centro por esse grupo.
— Nossas pesquisas indicam que indivíduos a partir dos 55 anos são os mais contrários à legalização do aborto, ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adoção de criança por casal gay. Mas também são os que mais apoiam o regime democrático como forma de organizar o sistema político, devido à experiência que tiveram nos anos de ditadura— complementa Rachel Meneguello, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.
O fato de as mulheres serem maioria no eleitorado idoso (55%) também reforça a tendência ao voto no centro, avalia David Verge Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).
— As mulheres tendem a ser mais ponderadas em seus votos do que os homens. Mas ainda não vejo um candidato (a presidente) com esse perfil. Do outro lado, as pesquisas de opinião têm mostrado que os jovens tendem a votar em um candidato como o (Jair) Bolsanaro, porque é um grupo que nunca ouviu falar em regime militar — observa o professor, em referência ao pré-candidato do PSL à Presidência da República, que por reiteradas vezes defendeu publicamente a ação dos militares naquele período.
Pensamento equivocado sobre os jovens
A cientista política Helcimara de Souza Telles, coordenadora do grupo de pesquisa Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) reforça a observação de Fleischer. Ela diz que jovens podem ser mais conservadores do que seus pais:
— É um equívoco pensar que só os jovens são progressistas. Nas eleições de 2010, uma de nossas pesquisas identificou que um número considerável desse grupo estava abdicando da participação na esfera pública para atuar em associações religiosas e cuidar da vida pessoal. Achavam política algo desinteressante e apoiavam a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas.
Para a especialista, esse desinteresse pela política pode ser maior entre os jovens das eleições deste ano, pois estão amadurecendo em um momento de profunda crise política institucional. Ela acredita que esse desencanto pode levar mais jovens de 16 a 17 anos, para os quais o voto é facultativo, a adiarem a ida às urnas. Até março, apenas 22% ou 1,5 milhão do total de adolescentes nessa faixa etária tinham título de eleitor. Já os eleitores idosos costumam comparecer em peso nas urnas.
— Nossas pesquisas pós-eleitorais, em 2010 e 2014, mostraram que, em média, 70% das pessoas com 70 anos ou mais votaram nos dois turnos das eleições — diz Rachel, da Unicamp.
Para a pesquisadora, esse comportamento eleitoral ativo reflete o amadurecimento da consciência sobre o voto fazer a diferença para o país e para a vida cotidiana, apesar de obrigatório.
O envelhecimento da população brasileira já desafia governantes a implementar novas políticas públicas, mas também provocará profundas mudanças na forma e no conteúdo dos discursos eleitorais deste ano. Para especialistas, os presidenciáveis precisarão entender o eleitor idoso. É preciso fugir de visões preconceituosas, como a de que os mais velhos necessariamente são conservadores ou votam com base em iniciativas pontuais, como as academias da terceira idade.
— Idoso nunca foi pauta no Brasil, diferentemente do que ocorre na Europa, onde as populações são mais envelhecidas. Questões como a Previdência, que se tornou um tema impopular, e ligadas à saúde, terão de entrar no radar dos candidatos — diz Helcimara de Souza Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
José Eustáquio, pesquisador do IBGE, destaca que a falta de propostas concretas predomina no que diz respeito ao eleitorado mais maduro.
— Até agora, quando um político quer falar para o idoso, só quer discutir coisas boas: festa de terceira idade, atividades culturais, turismo para o que chamam de “melhor idade” — critica José Eustáquio.
Reforma da Previdência: necessária, mas importular
Embora seja necessária a longo prazo, a reforma da Previdência se tornou um problema para os pré-candidatos à Presidência. Abortada pelo presidente Michel Temer em fevereiro por falta de apoio no Congresso e pela intervenção federal no Rio, a proposta é polêmica especialmente entre o eleitor mais velho, mais preocupado com o bolso. A tendência é que os candidatos fujam desse debate, como mostrou reportagem do GLOBO no domingo passado.
— É uma reforma necessária, mas o governo atual encaminhou essa questão de uma maneira muito ruim. Há muita rejeição entre as pessoas acima dos 55 anos, por causa da possibilidade de aumentar a idade mínima — avalia David Fleischer, professor da UnB.
O desempenho entre os idosos pode ser um trunfo ou um entrave para a viabilidade das candidaturas presidenciais. De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada em abril, tanto Jair Bolsonaro (PSL) quanto Marina Silva (Rede), líderes nos cenários sem o ex-presidente Lula (PT), têm desempenhos aquém de suas médias no eleitorado acima de 60 anos: Bolsonaro atinge 11% das intenções de voto entre os idosos no cenário considerado pelo GLOBO, enquanto, no geral, chega a 17%; já Marina faz 13%, abaixo dos 15% que registra no conjunto do eleitorado.
Em busca de uma arrancada que os coloque no segundo turno, Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) têm seus melhores desempenhos justamente entre os mais velhos: o pedetista chega a 11% entre os idosos, acima dos 9% que registra no geral; já Alckmin marca 9% entre os mais velhos, contra 7% entre todo o eleitorado.
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