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No Sul, Cascavel usa riqueza da soja e vira polo de serviço

Toni Sciarretta
Folha de S. Paulo

No oeste do Paraná, Cascavel desponta como uma das cidades de maior crescimento e geração de emprego no país, polo regional do agronegócio, de serviços de saúde e do ensino superior pago.

A cidade se tornou um canteiro de obras, com guindastes e gruas por todos os lados. O preço dos imóveis disparou mais de 80% em cinco anos. as ruas largas, que começam a ter trânsito, circulam utilitários 4×4, BMW, Mercedes, Porsche e até uma Lamborghini amarela com barro vermelho nos pneus.

O “esquenta” da noite é no posto de gasolina Santo Antônio, onde os filhos dos mais ricos reúnem os carrões. Nem sempre foi assim. Quando foi fundada, em 1952, Cascavel não passava de uma rota do Sudeste brasileiro até Foz do Iguaçu, caminho do Paraguai e da Argentina.

Vieram os primeiros colonos, a maioria gaúchos de origem alemã e italiana, que derrubaram a mata, venderam a madeira e cercaram pequenas fazendas. Terminado o ciclo madeireiro após a construção de Brasília, o vilarejo correu sério risco de se tornar uma cidade-fantasma. Foi quando, pela primeira vez, os pioneiros se juntaram para discutir como sobreviveriam à crise.

A solução encontrada foi fazer lobby para trazer à cidade uma fábrica que a catarinense Sadia, maior produtora de derivados de carne, queria construir na região.

Não conseguiram levar a Sadia a Cascavel -a fábrica foi para a vizinha Toledo-, mas foi daí que surgiram iniciativas que décadas depois fizeram a cidade se tornar emergente agrária, depois industrial e hoje de serviços.

Plantaram café, depois semearam milho e finalmente cultivaram soja, que enriqueceu a cidade nos anos 1970.

Não demorou muito e surgiram Comil e Consilos, fabricantes de silos, secadores e equipamentos para mecanizar a produção agrícola, aumentando a produtividade em propriedades pequenas, mas com terras muito férteis.

A cidade se voltou, então, para a produção de ovos e frangos -hoje com os frigoríficos Diplomata e Globoaves, dois dos maiores produtores e exportadores do país.

O que fez Cascavel decolar na última década foi o investimento da segunda geração dos pioneiros em serviços como escolas, hospitais, escritórios de advocacia e comércio atacadista, que atendem perto de 1 milhão de pessoas de mais de 20 cidades.

“O dinheiro da soja ficou aqui”, disse Leopoldo Furlan, presidente da Acic, a associação dos empresários.

Serviços crescem com classe média no Paraná

Para crescer, Cascavel teve de importar mão de obra qualificada do restante do país. Nos últimos 16 anos, enquanto a população brasileira cresceu 25%, a da cidade paranaense
saltou 49%.

Vieram médicos, dentistas, engenheiros, advogados, além de professores universitários e executivos, para atender a crescente demanda dos novos endinheirados que surgiam com a
soja. E com eles vieram as suas famílias.

“Costumo levar as mulheres dos diretores das minhas empresas para conhecer a cidade. No começo, elas não gostam, mas depois se acostumam e não querem mais voltar. Aqui tem de tudo. Ninguém precisa ir à Oscar Freire ou ao shopping Iguatemi de São Paulo”, disse a empresária Iracele Mascarello.

Os Mascarello começaram com a Comil, fábrica de silos para armazenar soja e equipamentos agrários em 1958. Há dez anos, foram para a incorporação imobiliária, construindo bairros e até um cemitério na cidade.

Em 2003, separada do marido, Celinha Mascarello, como é conhecida, montou com as filhas a fábrica de ônibus que leva o nome da família. Hoje, produz veículos para as prefeituras de São Paulo e do Rio e exporta para oito países, incluindo Angola.

Dono da companhia de ônibus Eucatur, que domina as rotas do Sul a Rondônia, o empresário Assis Gurgacz preferiu diversificar os negócios investindo em educação e aúde. Hoje, a fundação sem fins lucrativos que leva seu nome tem um hospital e uma universidade. “Foi decisivo para Cascavel ter boas faculdades. Atrai gente da região e do Paraguai.”

Em ensino superior, Cascavel se tornou referência regional, ultrapassando a vizinha Foz do Iguaçu. São oito universidades, sendo pública só a estadual Unioeste, com mais de 25 mil estudantes de graduação e pós. Na saúde, são nove hospitais, 216 clínicas e 406 consultórios.

Os serviços se tornaram tão importantes que a arrecadação de Imposto sobre Serviços (ISS) da prefeitura somou R$ 10,3 milhões até março deste ano, mais do que os R$ 10,1 milhões dos repasses de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do agronegócio.

A exemplo de outras regiões, o crescimento de Cascavel esbarra hoje na fraca infraestrutura de transportes.

Só recentemente o aeroporto, cujos voos saem lotados, pôde receber aviões de grande porte.

Apesar do acesso à Ferroeste, ferrovia que liga a cidade ao porto de Paranaguá, que barateia o escoamento da soja, a cidade sofre com acessos ainda não duplicados de três
rodovias importantes.

Elas formam um dos principais entroncamentos rodoferroviários do país, ligando as regiões Centro-Oeste e Sul com o Paraguai e o Atlântico.

Segundo Dilvo Grolli, presidente da Cooperativa Agrícola de Cascavel (Coopavel), a região perde R$ 100 milhões por ano com custo maior para escoar a produção por via rodoviária
até Paranaguá.