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No campo, a revolução das startups

Tecnologias inovadoras criadas por jovens empreendedores vêm mudando a forma como os produtores cuidam da lavoura e dos negócios

Anna Carolina Papp, O Estado de S.Paulo

Já faz tempo que o campo virou paradigma de avanço tecnológico no País. Foi com ele que o agronegócio passou a ostentar grandes cifras e bater recordes de produtividade ano a ano. Na fronteira dessa inovação se encontra uma safra de jovens empreendedores, de 20, 30 e poucos anos, que usam big data, internet das coisas e até o conceito de economia compartilhada para revolucionar a maneira como o produtor cuida da lavoura e do seu negócio.

De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), nos últimos dois anos, quase quadruplicou a quantidade de startups ligadas à agricultura – as chamadas agritechs, ou agtechs. Hoje, estima-se que haja cerca de 200 no País. Essas empresas, muitas incubadas em universidades, desenvolvem soluções em agricultura de precisão, monitoramento de lavoura e automação de equipamentos.

Essas tecnologias não só reduzem custos como otimizam recursos. A Agrosmart, por exemplo, promete economia de até 60% da água utilizada para a irrigação das lavouras. Com sensores espalhados pela plantação, o sistema mede indicadores como umidade e temperatura do solo, direção do vento e radiação solar para informar a quantidade que cada parte da plantação necessita, bem como o horário mais econômico para a irrigação. “Rodamos algoritmos para saber a quantidade exata que o produtor deve usar”, explica o sócio Raphael Pizzi. “Temos um outro produto que é o de controle, pelo qual o produtor consegue ligar o sistema de irrigação remotamente, pelo smartphone.”

A ideia do negócio veio da sócia-fundadora Mariana Vasconcelos, filha de produtores de milho em Itajubá (MG), durante seca que castigou a região Sudeste em 2014. Com dois amigos de infância e dinheiro do bolso, foram lançados os primeiros protótipos – testados na lavoura do pai de Mariana.

A trajetória foi ascendente: em 2015, foram premiados pela Nasa e tiveram acesso a um programa de transferência tecnológica. Depois, a startup foi acelerada pelo Google, o que lhes rendeu US$ 80 mil em investimento e uma temporada de três meses no Vale do Silício, nos EUA. No mês passado, a empresa deu seu pontapé no exterior: com um parceiro local, inaugurou uma filial nos Estados Unidos.

“Agora, estamos captando uma segunda rodada de investimentos e queremos, no primeiro semestre do ano que vem, focar na expansão Latam: Colômbia, Chile e Argentina”, diz Pizzi. Este ano, o faturamento previsto da empresa é de R$ 10 milhões.

Da sala de aula aos negócios. As agritechs têm uma relação forte com a academia, uma vez que várias dessas startups são incubadas em universidades, como a EsalqTec, da USP, em Piracicaba (SP) – além do apoio de instituições como a Embrapa. Segundo o Censo Agritech Startups Brasil, de dezembro de 2016, 53% dessas empresas têm membros com algum tipo de pós-graduação.

“Em relação a fintechs, por exemplo, ainda estamos muito atrasados em relação a outros países. Agora, no agronegócio… o que está saindo das universidades não deixa nada a desejar”, afirma Francisco Jardim, sócio-fundador da SP Ventures, fundo de investimento de capital de risco focado no agronegócio.

Apesar do avanço de fundos de investimento e programas de aceleração, ainda faltam recursos. De acordo com a pesquisa, 80% encontraram dificuldades para captar investimentos – e 42% financiaram o negócio do próprio bolso. “Precisamos de novas linhas de crédito para esse mercado, além de visão de negócio – muitos empreendedores que saem da academia pensam como cientistas, e não como empresários”, observa Mateus Mondin, professor da Esalq-USP e um dos responsáveis pela pesquisa. Para ele, apesar de ainda haver muita desconfiança, a tendência é que haja uma adoção gradativa e crescente das novas tecnologias. “Há soluções para todos os portes e bolsos, do grande produtor à agricultura familiar. Essas empresas estão fazendo uma verdadeira revolução na agricultura.”

Maikon Schiessl, diretor do comitê de agritech da ABStartups, concorda. “O agricultor do passado ficou para trás, ele hoje é conectado: 67% dos produtores usam o Facebook e 96% o WhatsApp, inclusive para os negócios. Eles precisam de soluções novas, digitais – e essas empresas estão entregando.”

Drone muda forma de monitoramento da produção

Equipamento detecta focos de pragas, danos ambientais, déficit de nutrientes e ajuda a aumentar a produtividade

Anna Carolina Papp, O Estado de S.Paulo

Pensou em lavoura conectada, pensou em drone. Se o mundo ainda vem descobrindo a versatilidade dos veículos aéreos não tripulados (vants), criados para fins militares, o agronegócio foi um dos primeiros setores a apostar nessa tecnologia – que revolucionou o monitoramento da produção agrícola. Pequenos e leves, os drones, munidos de câmeras e sensores, captam imagens de resolução muito superior às de satélite. Assim, detectam com precisão focos de pragas, estresse hídrico, déficit de nutrientes e danos ambientais, aumentando a produtividade e poupando recursos.

Há alguns anos, os produtores tinham de recorrer a aparelhos importados. Hoje, diversas empresas brasileiras já desenvolvem tanto equipamentos quanto softwares – e até exportam essa tecnologia.

Uma das pioneiras do ramo foi a Horus Aeronaves, que desenvolve drones para mapeamento em agricultura, topografia e mineração. A startup foi criada por três engenheiros mecânicos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2014, em um programa de empreendedorismo.

Em abril deste ano, a empresa recebeu aporte de R$ 3 milhões da SP Ventures, gestora de fundos de investimentos de capital de risco. O valor foi repassado por meio do Fundo de Inovação Paulista (FIP). Com o aporte, a empresa abriu uma filial em Piracicaba (SP), considerada o polo tecnológico do agronegócio.

“O esforço da Horus é popularizar e tornar o uso do equipamento mais atrativo para o produtor”, afirma Fabrício Hertz, presidente da empresa. “Além disso, a agricultura brasileira é tropical, com uma série de características à parte em relação a outros países do mundo, como os Estados Unidos. Portanto, é preciso produzir uma tecnologia própria”, diz.

As aeronaves da Horus são programadas via GPS e podem ser controladas remotamente. Os equipamentos são feitos à base de fibra de carbono, que proporciona mais leveza e resistência. Um vant da empresa custa, em média, R$ 70 mil.

Na Agrishow deste ano, maior feira de tecnologia da América Latina, que ocorreu em Ribeirão Preto (SP) em maio, a Horus lançou seu terceiro modelo: um drone com autonomia de duas horas de voo, capaz de mapear até 5 mil hectares de área.

Além dos equipamentos, a empresa desenvolve softwares que processam e interpretam os dados coletados por meio de tecnologias embarcadas com sensores e sistemas de inteligência. “Tudo que o aparelho detecta no campo a gente transforma em informação: problema nutricional, porcentual de falhas na plantação e deficiência hídrica, por exemplo”, diz Hertz. Com base nas imagens coletadas pelo drone, a empresa produz um relatório, que é enviado em até 48 horas para o produtor. “Assim, ele tem muito mais informações para as suas tomadas de decisão”, pontua.

No ano passado, a empresa expandiu seu mercado para o exterior e já tem presença na Argentina, Peru, Uruguai, Chile e Paraguai.

Regulamentação. Em maio, porém, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) regulamentou o uso de vants em todo o território brasileiro, a fim de garantir a segurança nas operações e padronizar os procedimentos.

Dentre as novas obrigações está a exigência de licença e habilitação do órgão para controlar equipamentos com mais de 25 quilogramas. Vants mais leves ou que voem abaixo de 121 metros precisam apenas de um cadastro no site da Anac.

‘Uber dos tratores’, aplicativo aluga máquinas

Se a economia compartilhada é a bola da vez, o agronegócio não poderia ficar de fora. Criado há pouco mais de um ano, a Alluagro, de Uberlândia (MG), funciona como uma espécie de Uber das máquinas agrícolas, a fim de minimizar a ociosidade dos equipamentos.

Anna Carolina Papp, O Estado de S.Paulo

Por meio de um aplicativo, o produtor pode ofertar ou alugar máquinas de qualquer parte da cadeia produtiva, do preparo do solo até o transporte para escoar a produção: um arado, um trator, uma colheitadeira ou até um caminhão. Por meio de geolocalização, a plataforma mostra a máquina mais próxima disponível.

“Hoje, para investir em imobilizado, é preciso ter no mínimo mil hectares de terra para compensar. Mesmo assim, há máquinas que custam milhões e só são usadas no período da colheita”, explica o sócio Marco Aurélio Chaves. “É como ter um Mercedes parado na garagem e só usar duas vezes no ano”, brinca.

Chaves conta que o Alluagro surgiu depois de uma conversa com o seu tio, produtor de soja no Mato Grosso. Ele alugou uma colheitadeira no fim da safra, mas a máquina quebrou – e os oito dias parados lhe custaram R$ 65 mil. “O mercado de aluguel de máquinas é muito desorganizado e amador. Muitas vezes, nem há contrato, e muita gente dá cano”, explica. “Então, a empresa surgiu da necessidade de profissionalização e segurança.”

Contratos agrícolas ganham versão eletrônica

A inovação gerada pelas chamadas “agrotechs” quer revolucionar não só as técnicas de produção no campo, mas os contratos das operações. Usando a mesma tecnologia que está por trás da moeda digital bitcoin, a londrinense Bart Digital automatiza e simplifica as tradicionais operações de “barter” – em que o agricultor troca sua produção por insumos agrícolas.

Anna Carolina Papp, O Estado de S.Paulo

“A nossa plataforma quer agilizar e dar mais transparência à formação dos contratos de crédito agrícola”, diz a cofundadora Mariana Bonora. A motivação veio de sua própria experiência profissional. “Eu era advogada numa indústria de insumos e tínhamos muitos problemas no quesito velocidade, pois são contratos complexos e que envolvem muitas partes”, diz.

O objetivo da startup, explica ela, é eliminar o “vai e vem de papel” e substituir esses contratos por operações eletrônicas, integrando produtores e indústria, de revendas a tradings. A digitalização das operações, além de agilizar o negócio, também contribui para diminuir os riscos e a volatilidade do mercado.

Para automatizar os contratos, a plataforma usa assinatura digital, processo que decodifica e valida essas transações eletrônicas. Outra tecnologia utilizada é o blockchain – que ficou mais conhecida pelo bitcoin –, que consiste em uma rede global de validação e registro de transações de forma rápida e segura, eliminando a necessidade de um intermediário.