É empulhação procurar a causa da criminalidade brasileira na entrada de armas ou na diferença de renda
Nos anos 1980, conhecemos o colapso inflacionário. Ainda que a solução do problema passasse pelas mãos de uma instituição principal, o Ministério da Fazenda, levamos uma década para superá-lo.
Nos anos 1990, conhecemos a crise previdenciária, que também entrou em colapso. E lá se vão 20 anos de debates sem fim, sendo que a solução, sabidamente, pertence ao Congresso Nacional.
Se problemas com soluções concentradas em órgãos ou instituições específicos se arrastam por tanto tempo, o que a sociedade pode esperar do Estado no combate à criminalidade, que envolve a conciliação de esforços de diferentes esferas de poder?
Enterro de jovem de 16 anos assassinado em Caruaru (PE) – Avener Prado/Folhapress
O crime saiu do controle no país. Entre 2005 e 2015, o número de homicídios cresceu em 22 das 27 unidades federativas. Em dez, a elevação foi superior a 100%. No Ceará mata-se mais do que em Honduras, de tamanho semelhante, que já registrou o pior índice mundial. Em Fortaleza, os assassinatos quase dobraram de 2016 para 2017.
Com um terço da população paulista, a Bahia registrou mais assassinatos do que São Paulo em números absolutos. São Paulo acaba sendo uma referência para cálculos domésticos pois possui a menor taxa de homicídio do país.
Em comparações internacionais, porém, essa taxa, nacionalmente baixa, é superior à de 150 países – dez vezes maior que a da Espanha, por exemplo, que possui número de habitantes parecido.
No Rio de Janeiro, onde o governo federal acaba de decretar intervenção, ser um policial militar é pertencer a um grupo social que convive com uma taxa de homicídio de 290 por 100 mil habitantes, quase dez vezes a média nacional.
Metade da população mundial vive em seis países, cada um deles com mais, ou perto disso, de 200 milhões de habitantes: China, Índia, Estados Unidos, Indonésia, Brasil e Paquistão. Com menos de 6% do contingente do grupo, o Brasil produz mais de 40% dos seus homicídios.
Matamos mais do que o primeiro e o segundo somados, que possuem uma população 13 vezes superior a nossa.
Pertencemos ao grupo das dez maiores economias globais. Nossa taxa de homicídio é 18 vezes superior à média dos outros nove. Na Ásia não há país com taxa semelhante. Na África, mais de 90% dos países são menos violentos.
Na última campanha eleitoral sobraram promessas no campo da segurança. No curso do mandato, os eleitos fracassaram. O governador do Rio de Janeiro não é exceção, mas parte da regra nacional.
O narcotráfico e o crime organizado continuam a dar as cartas, nas ruas e dentro das cadeias, de norte a sul. A inteligência policial foi sucateada, e os indicadores de solução de crimes são medíocres.
Para justificar a própria incompetência, os governantes preferem apontar o dedo para problemas estruturais que sempre existiram, mesmo quando as taxas de homicídio eram mais baixas que as atuais.
A nova mania é atacar o descontrole das fronteiras, por onde entram as armas. Que as fronteiras são permeáveis, não há discussão. Mas agride a lógica afirmar que a entrada de armas eleva a criminalidade.
Acontece o oposto: a criminalidade é que eleva a entrada de armas. Fosse como dizem, uma maior importação de livros aumentaria os índices de leitura. Não é a oferta que amplia a demanda, mas sim o contrário. O problema está aqui, dento do Brasil.
Outro culpado de prateleira é a desigualdade social. Todo país de alta criminalidade é socialmente desigual, mas nem todos os países desiguais operam no nosso patamar de criminalidade.
Namíbia, Haiti e Paraguai, ainda mais desiguais do que o Brasil, possuem taxas de homicídio bem menores que a nossa.
Chile e Brasil têm desigualdade social semelhante, levando-se em conta a diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. No entanto, a taxa de homicídio brasileira equivale a 11 vezes a chilena.
De novo, o problema está aqui, dentro do Brasil o problema e a empulhação ao explicá-lo.
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