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Não matem os Estaduais. Nada é mais moderno do que torcer pra time pequeno

Maurício Barros, ESPN

Eis que, sem a oposição da CBF, nasce a Primeira Liga, como está sendo chamado o torneio envolvendo times do Rio, mineiros, paranaenses, catarinenses e gaúchos. A primeira edição está prevista para o ano que vem. Qualquer iniciativa de se criar uma Liga Nacional de Clubes tem, em princípio, minha simpatia.

O que eu acho importante é que não mate os Estaduais. Estou na contramão da corrente que pede o fim desses torneios. Para mim, nada mais moderno que procurar meios de fortalecer o futebol local e os clubes pequenos. Isso sem nenhum detrimento do futebol-big business, do futebol-establishment. Não são coisas excludentes. Há espaço para todos, principalmente no coração dos torcedores.

Para quem entende a alma do futebol, não é possível que se queira o fim dos clubes pequenos. Eles alimentam uma relação com o esporte que é muito profunda e independe de o time ganhar ou não, seja em qualquer divisão. Trata-se da relação com a raiz de cada um, com a história de vida de cada torcedor. Afeto puro. Se são mal administrados ou estão na mão de mercenários, é outra coisa.

O Juventus, da Moóca, mítico bairro paulistano, é, ao meu ver, o exemplo mais perfeito daquilo que tento dizer. Ir à rua Javari ver o Juventus jogar num domingo de manhã é um dos mais incríveis passeios futebolísticos que se pode fazer no planeta – e aqui, humildemente, fala um sujeito que já viu muito jogo nesse mundão afora, de times grandes e pequenos. O passeio é completo, e inclui a padaria Di Cunto, o canole do estádio, o bar do Elídio depois. E, claro, também inclui uma sacolinha com boné, chaveiro, camisa retrô do time da Moóca comprada na lojinha à entrada do estádio. Virou passeio “cool”. Tem até juventino devoto que, à boca pequena, torce o nariz pros torcedores “turistas”!

É fundamental a gente saber que um jogo do Bragantino também não deve nada a um jogo na Javari. Ou a linguiça de Bragança não tem tanto charme e sabor quanto o canole? Ou a camisa em mosaico do Braga dos anos 90, gosto estético à parte, já não é peça de adoração pra quem ama a bola? Vai além do jogo em si, compreende?
Falo de clubes de São Paulo porque vivo aqui e eles estão mais perto de mim. Mas tenho absoluta certeza de que há centenas de times e cidades que oferecem tal experiência em todo o Brasil. Tradição, curtição. A gente vai matar isso? Burrice, tiro no pé! Se os regulamentos e os calendários são peças de freak show, botemos a cabeça pra funcionar, ora.

Os times menores, o futebol local. Isso tem um potencial enorme de engajamento, conecta-se a uma tendência de vida que me parece irreversível, que diz respeito à valorização do que se tem no entorno de onde se vive. Como a tecnologia nos permite estar atualizados sobre tudo o que acontece no mundo, vivendo em Nova York ou em São Raimundo Nonato (PI), acabou aquele papo de que quem não está nos grandes centros é jeca. Aliás, São Paulo, minha cidade, é o lugar em que mais vejo jecas no Brasil – jeca rico, com carrão e camisa pólo de números gigantes, que topa ficar 3 horas na fila para pagar 46 reais num hambúrguer gourmet!

Evidentemente, não podemos querer que um Penapolense x Água Santa leve 30 mil ao estádio. Mas não precisa. Há maneiras inteligentes de tornar o futebol local rentável, ligando os times e os eventos ao comércio de suas regiões, às atrações turísticas das cidades. É um mercado a ser explorado por gente competente. Pena que isso seja tão escasso no nosso futebol.