A Câmara dos Deputados mandou uma clara mensagem ao presidente Jair Bolsonaro: não está para brincadeira
Editorial Estadão
No momento em que o presidente adota uma atitude imperial ante o Congresso, esperando que este cumpra as vontades do Executivo sem nenhuma forma de diálogo, na presunção de que os projetos do governo se impõem por si mesmos, os parlamentares de todos os partidos, inclusive governistas, decidiram manifestar seu descontentamento de forma esmagadora.
Na noite de anteontem, em sessão liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados aprovaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz o porcentual do Orçamento que o governo pode manejar livremente. A PEC, que agora vai ao Senado, torna obrigatória a execução de emendas propostas por bancadas estaduais e por comissões, a exemplo do que já acontece com as emendas individuais dos parlamentares.
Note-se que, enquanto as emendas individuais se prestam basicamente a satisfazer a base eleitoral deste ou daquele deputado, as emendas estaduais e de comissões geralmente têm um caráter eminentemente programático, respondendo a demandas mais abrangentes. Assim, se respeitadas as restrições fiscais – como, aliás, está expresso na PEC aprovada–, trata-se de legítima expressão do papel do Legislativo na definição de políticas públicas.
Dito isso, é inegável que a inesperada votação dessa PEC foi uma manobra para constranger o presidente Bolsonaro e para deixar explícita a ausência completa de algo que se possa chamar de “base governista” no Congresso.
A PEC estava engavetada desde 2015. Havia sido elaborada como parte da chamada “pauta-bomba” dos partidos que compunham o “centrão” para minar o governo da então presidente Dilma Rousseff. Ressuscitá-la agora parece ter como único objetivo constranger o presidente Bolsonaro – que, quando deputado, apoiou essa PEC, bem como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho. Se o objetivo era esse mesmo, foi plenamente atingido.
A PEC foi aprovada por placares acachapantes: 448 votos a 3 no primeiro turno e 453 votos a 6 no segundo, com 1 abstenção. Praticamente todos os deputados do PSL, o partido do presidente Bolsonaro, votaram a favor de um projeto que claramente atrapalha o governo, porque aumentará o engessamento orçamentário de 93% para algo em torno de 97%. “Eu estou perplexo. Muitas vezes não sei mais quem é situação e quem é oposição”, desabafou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).
De fato, o governo, especialmente o presidente Bolsonaro, parece empenhado em tornar a oposição desnecessária. Está conseguindo unir quase todo o Congresso contra o governo, inclusive os parlamentares que comungam da mesma agenda do Executivo – a começar pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
A quase unanimidade dos parlamentares contra os interesses do governo, verificada na votação da PEC sobre o Orçamento, indica uma evidente reação à tentativa do presidente Bolsonaro de desqualificar qualquer forma de diálogo político, ao sugerir que as negociações em torno da aprovação de projetos no Congresso são corruptas por definição. Sempre que pode – e nos últimos dias o fez com frequência –, o presidente Bolsonaro tem justificado sua resistência em organizar uma base aliada argumentando que, ao fazê-lo, estaria cedendo à “velha política”. A “nova política”, segundo sua concepção, seria então aquela em que os deputados votam como quiserem e escolhem se ficarão do lado do “bem”, que é o do governo, ou do “mal”, que é a oposição.
“Não somos contra o governo. Somos a favor do Parlamento”, reagiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO). “O governo não disse que é cada um no seu quadrado? Então, chegou a hora de resgatarmos as prerrogativas do Legislativo. Cada um faz o seu papel”, disse o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM.
A acidentada história do País mostra que presidente nenhum pode descuidar da articulação política no Congresso, ainda mais de forma tão deliberada como faz Bolsonaro. Essa lição se reveste de especial importância quando estão em jogo reformas de cuja aprovação depende a solvência do Estado. Não parece claro se Bolsonaro é capaz de aprendê-la.
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