Operações Cravada e Caixa-Forte atingem, respectivamente, os núcleos financeiro e administrativo da facção
Editorial Estadão
A Polícia Federal (PF) desferiu um duro golpe no Primeiro Comando da Capital (PCC) ao deflagrar as Operações Cravada e Caixa-Forte, cumprindo em uma semana centenas de mandados em sete Estados, incluindo prisão preventiva, busca e apreensão e bloqueios de contas bancárias. O elemento novo e promissor é que essas ações atingem, respectivamente, os núcleos financeiro e administrativo da facção, responsáveis por recolher, gerir e empregar valores para financiar seus crimes, e por gerenciar o narcotráfico e a lavagem de dinheiro.
As operações foram incidentalmente uma resposta oportuna às carnificinas na penitenciária de Altamira, no Pará, que deixaram mais de 60 mortos em mais uma disputa entre facções presidiárias. Como se sabe, a população brasileira convive pelo menos desde a década de 80 com uma inversão de finalidade, pois os presídios, que deveriam isolar os criminosos e reabilitá-los ao convívio social, se transformaram em escolas e QGs do crime organizado sob a custódia do Estado. Estima-se que só o PCC, fundado em 1993 por 8 presidiários na Casa de Custódia de Taubaté, atue em 22 Estados, possua 30 mil membros e movimente mais de R$ 400 milhões por ano.
Dada a complexidade dessas redes, a guerra será longa e as batalhas devem ser travadas em diversas frentes. Uma delas implica arrancar a raiz do mal: as condições degradantes dos presídios. Menos de 20% dos 720 mil presos espremidos em 360 mil vagas disponíveis estudam ou trabalham. Dessas reservas de mão de obra, os chefes do crime organizado extraem facilmente recrutas para seus sequestros, assaltos, assassinatos e tráfico.
Para ter uma ideia do grau de capilaridade dessas facções, nas conversas interceptadas pela polícia foram encontrados indícios de vínculos com partidos políticos. Nos últimos anos, as operações vêm se alastrando ainda mais além do território nacional, à medida que se intensifica a disputa entre o PCC e o Comando Vermelho – além de 25 outras facções – em torno do espólio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc): o tráfico de drogas e armas na região amazônica, na fronteira com Colômbia, Peru e Bolívia, os três maiores produtores de cocaína do mundo.
Um dos combates bem-sucedidos das autoridades foi a Operação Echelon, de meados do ano passado, que atingiu o departamento do PCC responsável por coordenar, de dentro dos presídios paulistas, as ações em outros Estados. Na ocasião, o governo de São Paulo iniciou a transferência de mais de 200 bandidos da cúpula do PCC para presídios federais de segurança máxima. Agora, a PF atinge as suas artérias financeiras. Foram identificadas e bloqueadas mais de 400 contas bancárias, entre as quais circulava cerca de R$ 1 milhão por mês, destinado à compra de armas e entorpecentes.
A ação da Polícia Federal traz algum alento a uma população apavorada ante a escalada da bestialidade nos presídios e nas ruas e atônita com a inoperância de um governo federal que se elegeu com a promessa de acabar com a violência, mas em oito meses nada mais fez pela segurança pública do que insistir no armamento de civis e no incremento do poder punitivo do Judiciário – inoperância ilustrada pelas declarações do presidente da República em face do massacre de Altamira, que de certo modo referendaram a execução de uns tantos bandidos pelas mãos de outros.
O nome da operação, Cravada, alude a uma tática do xadrez em que uma peça é imobilizada pelo adversário em razão da necessidade de defender uma peça de valor maior. “De igual forma”, disse a PF, “a operação visa sufocar as reações das lideranças de facções criminosas, atingindo os núcleos importantes de comunicação e de gerenciamento financeiro.” À medida que a investigação avance, será possível saber se as forças de segurança acertaram a jugular do PCC. Espera-se que estejam prontas para responder às retaliações que não devem tardar e contra-atacar com mais eficácia ainda – escoradas na técnica e no respeito à lei – os covis do crime organizado.
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