Uns adoram, outros odeiam. O horário de verão jamais foi unanimidade. Cancelá-lo ou não depois de 32 anos de vigência ininterrupta deveria ser uma decisão técnica, muito distante de uma pec governamental, método absolutamente heterodoxo para definir políticas públicas. Mas a polêmica que as horas a mais de sol suscita veio a calhar no momento em que o presidente Michel Temer e seus asseclas queimam no centro da fogueira.
O governo bota fogo em outra freguesia para tentar arder menos.
É fato que a economia gerada pelo horário de verão caiu nos últimos quatro anos, possivelmente diante da mais grave recessão contínua já experimentada pelo país. Ainda assim, entre outubro de 2016 e fevereiro de 2017, o Brasil poupou R$ 159,5 milhões com o anoitecer tardio. Pode parecer pouco, mas não é desprezível para quem precisa juntar centavos.
Há de se considerar ainda o impacto do sol no turismo e na agricultura nos 10 estados das regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste, incluindo o Distrito Federal, em que o horário de verão é adotado. Não se tem notícia, por exemplo, de que o governo tenha encomendado estudos para além do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – que também não tem opinião harmônica sobre a matéria – para embasar a decisão sobre um eventual cancelamento.
Parte dos Estados Unidos – incluindo a Flórida, que execra a hipótese de perder preciosas horas de sol e, consequentemente, de turistas –, o Canadá, México e vários países da América Central e Caribe (Bahamas, Cuba, Honduras, Guatemala, Haiti) adotam o horário de verão. O mesmo ocorre em todos os países da União Europeia, na Rússia, na Austrália e parcela da Nova Zelândia, no Oriente Médio (Irã, Iraque, Síria, Líbano, Israel), na África (Egito, Namíbia e Marrocos), e na América do Sul. Além do Brasil, os relógios do Paraguai, Uruguai e Chile também mexem.
Assim como o rodízio de veículos, que foi implantado na cidade de São Paulo com propósitos ambientais e se tornou imprescindível para o trânsito, o horário de verão teve como motivação original a economia de energia. Hoje, com as variações na matriz energética e alguma consciência de consumo, na maior parte dos países que esticam o horário, o fator energia se tornou praticamente irrelevante frente à movimentação econômica que a hora a mais garante.
Algo que deveria ser aferido no Brasil se a discussão fosse séria e não apenas tergiversação.
Puxa-se daqui, mexe-se acolá, e não se encontra racionalidade nos motivos para que o governo anunciasse agora, de pronto, que poderia mexer no horário de verão. E decidiu fazê-lo exatamente na quarta-feira, dia em que o Supremo Tribunal Federal retomava a votação do recurso apresentado pela defesa de Temer para suspender o segundo processo contra ele, que, na quinta, foi despachado pelo Supremo para a Câmara do Deputados.
Do nada, depois de um ano e meio de ações desastradas, parece que o Planalto pariu um gênio que teve a ideia sensacional de colocar o sol em pauta, conseguindo milagres: incendiou as redes sociais e obteve até um inédito apoio explícito a Temer, algo que, com os seus 3,4% de aprovação, ele não via há tempos. De imediato, os grandes portais de notícia abriram enquetes, colocando mais gasolina no debate.
A audiência foi tamanha que o governo imaginou trazer para si a realização de uma enquete para orientar a decisão do presidente. Isso, a pouco mais de 20 dias do início do horário de verão, previsto para 15 de outubro.
Ora, não bastasse a ausência de critérios para mexer no planejamento de mais de 120 dos 365 dias de empreendedores que apostam na regra do entardecer tardio, e para brincar com as pessoas — as que amam e as que odeiam –, a proposta da turma de Temer é que o presidente decida de acordo com uma aferição empírica.
No desespero, é provável que Temer tope e avalize um levantamento de opinião pouco seguro e sem qualquer critério científico.
Pode até repetir o sucesso que teve inicialmente nas redes, quando o debate sobre a hora do sol ofuscou parcialmente a repercussão do processo contra ele. E até ganhar minutos de popularidade na madrugada de 14 para 15 de outubro.
Aí, mais do que fazer jus à fama de não ser um país sério, o horário Temer provará que é o Brasil que não se leva a sério.
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