A mudança do sistema de impostos é reclamada há muito tempo pelo setor produtivo e pelos contribuintes em geral. Mas será este o momento para propô-la?
Editorial Estadão
Chega a ser comovente, para quem acompanha há mais tempo seu envolvimento com questões tributárias, a dedicação com que o economista Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque defende sua ideia de unificação de impostos para a simplificação do sistema vigente no País e para a redução da carga tributária. Por muito tempo, Cintra defendeu a ideia do imposto único. No cargo de secretário especial da Receita Federal do Brasil, Cintra está preparando uma reforma no sistema de impostos que tem como ideia central justamente a unificação de tributos, como disse ao Estado. Numa segunda etapa, com a participação do Legislativo, o secretário da Receita pretende apresentar uma proposta de emenda constitucional que unificaria num único tributo federal impostos hoje estaduais, como o ICMS, e municipais, como o Imposto sobre Serviços.
A mudança do sistema de impostos, para simplificá-lo e reduzir seu peso sobre a atividade econômica, é reclamada há muito tempo pelo setor produtivo e pelos contribuintes em geral. Mas será este o momento político adequado para propô-la? E será esta a forma mais adequada para mudar nosso sistema de impostos, taxas e contribuições?
Segundo Cintra, cinco tributos federais – PIS, Cofins, IPI, parte do IOF e talvez CSLL – serão unificados numa única cobrança. Além disso, também será definido o fim da contribuição das empresas ao INSS. Para compensar a queda de arrecadação, seria criado um novo tributo sobre meios de pagamento, mais amplo que a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Ao contrário desta, o novo tributo incidiria sobre “toda e qualquer transação econômica, incluindo as que ocorrem fora do sistema bancário”. O secretário da Receita foi bastante específico ao justificar as diferenças: “A CPMF pegava só as transações do sistema bancário. Por exemplo, escambo não seria atingido pela CPMF. Pelo uso de papel-moeda também”. Para atingir todas as modalidades de transações, a legislação a ser por ele proposta estabelecerá que o imposto incidirá sobre todo e qualquer pagamento.
As distorções geradas pelo tributo sobre movimentação financeira – o fato de ser cumulativo, isto é cobrado em cascata, retirar competitividade do produto nacional e incidir proporcionalmente mais sobre quem ganha menos – e que acabaram por forçar sua extinção seriam suficientes para colocar em questão um dos pontos centrais da proposta em exame pelo secretário da Receita. Mas o caráter distorcivo desse tributo, que pode ser acentuado pelo substituto mais amplo que está sendo preparado, é apenas um dos aspectos questionáveis da proposta.
Não há dúvida de que o sistema tributário precisa ser reformado de maneira profunda e eficaz, para, como prenuncia Cintra, termos tributos mais eficientes e simplificados. Também é do interesse do País que a carga tributária seja gradualmente reduzida, como projeta o secretário da Receita. Outro objetivo da reforma, segundo Cintra, é desonerar a folha de salários para propiciar a geração de empregos. É uma meta mais que desejada, sobretudo num momento em que o País abriga mais de 12 milhões de desempregados e muitos outros milhões de trabalhadores subutilizados ou na informalidade.
O que se questiona na proposta, além do fato de ela se basear no aumento do peso de um tributo distorcivo, é o momento de sua apresentação. Só agora a tramitação no Congresso do mais importante dos projetos de interesse do País no momento, o de reforma da Previdência Social, começa a ser destravada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com a apresentação do relatório do deputado Marcelo Freitas (PSL-MG). Há um longo caminho a ser percorrido até a votação da proposta no plenário da Casa e depois pelo Senado.
Por envolver interesses de outras instâncias de governo – pois implica mudanças dramáticas na forma de arrecadação dos Estados e dos municípios –, a aprovação de uma proposta de ampla reforma tributária como a que o secretário Marcos Cintra está preparando exige grande esforço político e notável capacidade de negociação do governo federal. Não será de tal forma desgastante iniciar tal debate neste momento a ponto de comprometer outras iniciativas de igual ou maior relevância para o País?
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