Cíntia Junges, Gazeta do Povo
Foto: Albari Rosa
Depois de socorrer as distribuidoras com R$ 9 bilhões em 2013, o governo federal anunciou semana passada mais um aporte de R$ 12 bilhões – R$ 8 bi vindos de um financiamento bancário à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e os outros R$ 4 bi oriundos dos cofres públicos. Tudo isso, para tentar minimizar o rombo no caixa das distribuidoras e evitar que esse descompasso chegue ao bolso dos consumidores em ano eleitoral. Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Copel, Lindolfo Zimmer, disse que o socorro do governo é como um remédio amargo necessário para sanar a exposição das distribuidoras com a compra de energia cara no mercado livre para honrar seus contratos, mas que ele não pode perdurar. Passada a estiagem e superados os problemas de caixa das empresas, é preciso rever o modelo energético brasileiro.
O que precisa ser feito para evitar a vulnerabilidade do sistema?
O modelo precisa ser revisto. Não me parece justo que nós tenhamos que aumentar a tarifa quando o problema é do modelo do setor elétrico brasileiro e não da Copel. Não me parece justo que o povo paranaense seja penalizado com um aumento na tarifa quando outros estados podem nem ter aumento na conta de energia. Não é isonômico. O governo federal deve assumir a responsabilidade pela condução dessa política energética.
Qual seria a saída?
Não podemos correr riscos de uma hidrologia desfavorável deixar o país descoberto. Para que isso não aconteça, não há outra saída senão a construção de uma grande base térmica operando para garantir a estabilidade do sistema. Para isso, é importante ter gás. Hoje, o monopólio é da Petrobras, que também não tem oferta suficiente para atender a demanda.
Existe risco de apagão?
Se não chover nos próximos 30 dias o suficiente para elevar o nível dos reservatórios, o risco aumenta muito. Se olharmos as séries históricas de pluviometria, estamos muito próximos das situações hidrológicas mais críticas já registradas. Essa estiagem ainda não é a pior da série histórica de pluviosidade, mas está muito próxima de se tornar a pior. O cenário não é pior porque hoje temos operando mais de 17 mil megawatts-hora (MWh) de térmicas que estão despachando ininterruptamente. Elas só existem por causa da crise de 2001, que obrigou o governo da época a buscar alternativas, mesmo que fosse uma saída suja e cara.
Um relatório do Deustche Bank apontou a Copel como a distribuidora mais exposta por descontratação de energia. Qual é o tamanho dessa exposição hoje?
Hoje, o porcentual de energia descontratada da Copel está próximo de 12%. Para suprir essas necessidades o governo fez um leilão para um horizonte de um ano em dezembro de 2013, mas as distribuidoras só conseguiram comprar metade dos 6 mil por megawatts-hora (MWh) que estavam descontratados. Então, nós continuamos parcialmente descontratados em metade da nossa demanda. Em 2013, apesar do aporte de R$ 827,3 milhões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), ficamos expostos em R$ 250 milhões.
Qual a origem desta descontratação?
Em 2008, o governo federal fez um leilão para o horizonte de cinco anos. Declaramos a nossa demanda e compramos a energia das empresas vencedoras, mas dois geradores que se habilitaram naquele leilão [Grupo Bertin e Hidrelétrica de Jirau] não cumpriram os contratos. Agora, nós precisávamos dessa energia para atender os nossos consumidores e ficamos muito descobertos justamente no momento em que o preço da energia no mercado livre é o maior permitido, de R$ 822,83 por megawatts-hora (MWh). Estamos pagando 10 vezes o valor do megawatts-hora (MWh) contratado no leilão de 2008.
Qual é a situação da Copel Distribuição neste ano?
Em janeiro, recebemos um aporte de R$ 114 milhões que zerou a exposição do mês. O governo acabou de anunciar na semana passada um novo aporte de R$ 12 bilhões às distribuidoras que deve minimizar os problemas de caixa de fevereiro em diante. Até quando, não se sabe. O certo é que a empresa não consegue suportar uma exposição involuntária como essa por muito tempo à custa do seu próprio caixa.
Esse novo aporte do governo vai aliviar o aumento da tarifa?
Esses R$ 12 bilhões vão aliviar o caixa das distribuidoras, evitando que o custo da compra de energia no mercado livre seja repassado ao consumidor em 2015. O que pode impactar positivamente na tarifa que será reajustada em junho é o leilão que o governo vai fazer em abril para entregar a energia em maio. Hoje, estamos comprando energia no mercado livre porque não temos contrato. Se nós tivermos contrato a partir de maio, passamos a ter um novo valor no preço da energia, que obviamente é bem menor do que o preço que pagamos hoje. O grande desafio do governo é oferecer um produto que atraia os geradores.
O que atrairia os geradores?
Um produto de mais longo prazo, entre quatro e oito anos, porque esse preço do mercado livre não vai se sustentar por muito tempo. No ano passado a oferta de produtos de um, dois e três anos com preços de R$ 140, R$ 160 e R$ 190 por megawatts-hora (MWh) atraiu apenas a metade da demanda. A outra metade preferiu segurar essa energia para vender no mercado livre por R$ 822,83 por megawatts-hora (MWh).
Que custos vão impactar a tarifa de energia deste ano?
O aumento será definido com base em quatro variáveis: custos operacionais da Copel, já definidos em 1,5%; componentes financeiros, que é o repasse dos R$ 250 milhões que ficamos descobertos no ano passado e precisam ser recompostos nos próximos 12 meses; o deferimento de 4,27% que sobrou do reajuste do ano passado; e a parcela A, que é relativa à compra de energia no mercado livre. A definição da tarifa também depende do resultado do leilão de abril. Se não houver sucesso, o aumento vai ser muito significativo, impactado pelo preço da energia no mercado à vista. Se o reajuste tarifário for de 8% ou 15%, apenas 1,5% é responsabilidade da Copel, em função dos custos operacionais.
O modelo está represando os custos para os consumidores?
O que aconteceu foi uma anomalia. O modelo não previa que tivéssemos uma exposição desse tamanho decorrente de uma estiagem prolongada. Essa anomalia se trata com remédio amargo, mas ele não pode perdurar. Tem que haver uma mudança no modelo que não permita que um novo cenário de estiagem exponha as distribuidoras dessa forma. Primeiro é preciso tomar o remédio amargo. Energia cara é ruim, mas é melhor do que não ter energia. Hoje, o grande “x” da questão é o leilão de abril. As nossas expectativas estão nesse leilão.
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