Editorial, Estadão
Argentina e Brasil podem abrir caminho para uma nova inserção do Mercosul no sistema global – mas ao mesmo tempo é preciso cuidar do próprio bloco, atolado em erros e forçado a enfrentar uma grave crise interna. Em relação ao caso argentino, pode-se falar de um retorno ao mundo, depois de um longo afastamento dos mercados. O esforço do presidente Mauricio Macri para enterrar o legado kirchnerista e normalizar os vínculos de seu país com os principais mercados vem sendo muito bem recebido. Também a diplomacia brasileira mudou, depois do afastamento, por enquanto provisório, da presidente Dilma Rousseff. O novo ministro de Relações Exteriores, José Serra, mostra-se disposto a seguir uma política pragmática, muito diferente do requentado terceiro-mundismo implantado em 2003 pela administração petista. Se o atual governo for efetivado, as novas diplomacias brasileira e argentina poderão, atuando juntas, favorecer mudanças positivas no Cone Sul e contribuir para uma integração mais dinâmica e mais produtiva das economias sulamericanas.
O presidente Macri está na dianteira nesse trabalho de renovação diplomática. Participou com sucesso, em janeiro, da reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Seu ministro da Fazenda, Alfonso PratGay, foi convidado para atuar como debatedor em evento paralelo à reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), ocupando um espaço político perdido por seus antecessores kirchneristas. Nesta semana, Macri, de novo na Europa, pediu pressa para a conclusão do acordo, por muito tempo emperrado, entre União Europeia e Mercosul. Esse retorno só foi possível, naturalmente, porque o governo Macri buscou entendimento com os famigerados abutres, os credores por muito tempo mantidos fora da renegociação da dívida argentina.
Não há segurança sobre o andamento, agora, das conversações entre Mercosul e União Europeia. Brasileiros e argentinos podem estar mais dispostos a uma troca razoável de concessões, mas os negociadores europeus mostram-se hoje menos empenhados em concluir o acordo. A resistência dos agricultores da Europa tem crescido. Além disso, o abandono da União Europeia pelo Reino Unido pode complicar os procedimentos. Mas a passagem de Macri por Bruxelas, onde fez seu apelo a favor do avanço na negociação, já é um sinal muito positivo para os parceiros potenciais da Argentina e do Mercosul.
Antes da viagem à Europa, o presidente argentino assistiu a uma reunião da Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México. Foi um gesto importante para promover a aproximação entre o Mercosul e aquele bloco, formado por economias mais abertas. Mas uma integração efetiva só será possível, disse no ano passado o presidente Enrique Peña Nieto, do México, se os países do Mercosul se tornarem menos fechados. A presidente Dilma Rousseff rejeitou essa hipótese.
Os movimentos da diplomacia argentina e da brasileira são promissores, mas falta consertar danos produzidos pelo kirchnerismo e pelo petismo. A reunião de cúpula do Mercosul prevista para o dia 12 em Montevidéu foi cancelada. A crise brasileira foi levada em conta, mas a causa principal foi a situação venezuelana. A presidência do Mercosul deveria passar do Uruguai para a Venezuela. O governo do Paraguai, país suspenso do bloco entre julho de 2012 e agosto de 2013, por pressão dos governos petista e kirchnerista, opõe-se a essa transferência.
O governo Macri já havia criticado o regime venezuelano. O governo interino do Brasil tem condenado o regime bolivariano pela existência de presos políticos. Além disso, o chanceler José Serra propôs alongar o prazo da transferência até agosto, para se discutir “se a Venezuela fez a lição de casa”. Além de enfrentar o problema da Venezuela, os membros originais do bloco devem cuidar das barreiras comerciais internas, aberrações numa união aduaneira, e redefinir os objetivos comuns. Reconhecer os problemas é um bom passo para o recomeço.
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