Novas regras permitem que planos cobrem de seus associados até 40% do valor de atendimentos, o que pode aumentar o endividamento de clientes já penalizados com reajustes acima da inflação
Na semana passada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamentou duas modalidades de planos de saúde adquiridas por cerca de 24 milhões de consumidores, equivalente a metade do total de usuários. A norma coloca regras para as opções de coparticipação, quando o cliente paga por parte dos procedimentos, e de franquia, sistema por meio do qual o consumidor arca com as despesas de atendimento até que um determinado limite seja atingido. A princípio, a colocação de parâmetros de operação para produtos tão populares é positiva. Porém, as medidas anunciadas pela agência deixam brechas que podem levar os clientes a gastarem mais do que imaginam.
De acordo com a regulamentação, o usuário pode custear até 40% do pagamento dos procedimentos (e até 50% em planos coletivos, se houver acordo ou convenção coletiva de trabalho neste sentido) ou arcar com as despesas até que a franquia seja atingida. Um total de 250 atendimentos, muitos relacionados ao acompanhamento de doenças crônicas, estão parcial ou totalmente fora da regulamentação. Hemodiálise, radioterapia e quimioterapia, por exemplo, não poderão ser cobrados.
A economia compensa?
A agência considera as regras uma proteção ao consumidor. Segundo a ANS, além de estabelecer o total máximo a ser cobrado pelas empresas, a regulamentação garante cobertura total para vários procedimentos. Nas contas de profissionais habituados a defenderem os consumidores, não é bem assim. As normas deixam os usuários vulneráveis a surpresas desagradáveis. O primeiro ponto é não terem abordado a questão dos reajustes aplicados à coparticipação e à franquia. A consideração é a de que não faz sentido adotar os mesmos índices usados para os outros planos uma vez que o usuário ajuda a pagar a conta das despesas também. “Se é para a operadora ter um gasto menor com seu cliente, isto precisa se refletir no aumento”, afirma o advogado Rafael Robba, especializado em Direito da Saúde. “Ele deveria ser mais baixo.”
O cliente não se dá conta disso na hora em que contrata o plano. Em geral, ele é atraído pelo preço inicial menor em comparação ao de produtos que incluem pagamento total das despesas. Em média, eles custam entre 20% a 30% mais barato. Na ponta do lápis, porém, a economia pode não compensar. “Inicialmente os modelos parecem interessantes, mas as mensalidades não refletem o que realmente o usuário pode gastar”, diz a advogada Ana Carolina Navarrete, do Instituto de Defesa do Consumidor. Dependendo da necessidade de uso, o que o cliente pagará de extra pode, por exemplo, fazer dobrar o custo mínimo mensal. “Isto amplia o endividamento do usuário”, afirma Ana Carolina. Na opinião do advogado Rodrigo Araújo, especializado em Direito da Saúde, no caso de uma franquia, basta surgir a necessidade de uma cirurgia um pouco mais complexa e todo o valor do limite será gasto. “Portanto, é preciso avaliar com cuidado se a redução do valor da mensalidade compensa o risco, o que é improvável em muitos casos”, acredita.
“O sistema que sustenta a saúde suplementar, baseado no repasse puro e simples das despesas nos reajustes, está em colapso”
José Seripieri Junior, presidente da Qualicorp
Quanto à isenção da cobrança de franquia ou coparticipação em alguns procedimentos, Araújo alerta para o fato de a agência ter condicionado sua realização em prestador de serviço indicado pela operadora: “É abusivo, já que interfere diretamente na relação de confiança que o usuário tem com o médico e o prestador de serviço”.
A regulamentação trouxe mais dúvidas e preocupação aos usuários, já surpreendidos por aumentos sucessivos nas mensalidades, todos acima da inflação. Na semana passada, a ANS autorizou a elevação em até 10% do preço dos planos individuais e familiares. Nos coletivos, não submetidos à regulação pela agência, os reajustes têm sido de até 18%, contra uma inflação abaixo de 3%.
O modelo de aumentos é insustentável. Em três anos, três milhões de brasileiros deixaram o sistema porque não conseguiam mais pagar pelos produtos. “O sistema financeiro que vem sustentando a saúde suplementar no Brasil nos últimos anos, baseado no repasse puro e simples das despesas nos reajustes, está em colapso. Enquanto a qualidade e a efetiva gestão dos custos de assistência médica são deixadas em segundo plano, o modelo atual gera uma escalada insana e incompreensível de aumento de preços que definitivamente não cabe mais no bolso do consumidor”, afirma José Seripieri Junior, fundador e presidente do Grupo Qualicorp, a maior administradora e corretora de planos de saúde coletivos do Brasil. “O setor carece de um índice de referência que reflita o real custo da saúde no Brasil. Daí, então, quem praticar reajustes baseados nesse índice, ou até abaixo dele, se mostrará mais competente. Só a partir disso teremos um mercado privado baseado na livre concorrência, no qual ganharão os consumidores e as empresas mais eficientes.”
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