A decisão do STF revela ao País, mais uma vez, o cuidado que há que se ter com o uso do conteúdo das chamadas delações premiadas
Editorial, Estadão
Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o arquivamento de um inquérito da Polícia Federal (PF) que apurava o envolvimento do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, num suposto esquema de propina para financiar sua campanha ao Senado em 2010. Sobre Aloysio Nunes pairava a grave suspeita de ter recebido R$ 500 mil da Odebrecht, por meio de caixa 2, em troca do favorecimento da empreiteira na assinatura de contratos para realização de obras viárias em São Paulo durante a gestão do ex-governador José Serra (PSDB).
A decisão do STF revela ao País, mais uma vez, o cuidado que há que se ter com o uso do conteúdo das chamadas delações premiadas. O inquérito contra Aloysio Nunes teve início com base no acordo de colaboração firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e um grupo de executivos da Odebrecht. A investigação correu por 1 ano e 2 meses sem que fossem produzidas as provas do envolvimento do atual chanceler no suposto esquema de propina. Vale dizer, a séria acusação feita pelos delatores não foi comprovada no curso do inquérito policial; mas, não obstante, o nome de Aloysio Nunes passou a figurar no rol dos “envolvidos na Lava Jato”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia pedido ao STF que o inquérito contra o ministro Aloysio Nunes fosse remetido à primeira instância da Justiça Federal da 3.ª Região, em São Paulo, aplicando-se o novo entendimento da Corte Suprema acerca do foro especial por prerrogativa de função, segundo o qual só são julgados no STF os crimes cometidos no exercício do mandato ou em razão dele.
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, entendeu que a baixa dos autos à primeira instância serviria apenas para protelar “o inevitável”. “A declinação de competência em investigação fadada ao insucesso seria protelar o inevitável. Dado o contexto, a providência a ser adotada é o indeferimento da declinação de competência e o arquivamento do inquérito”, disse o ministro ao votar, em agosto.
O relator foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que também entenderam que uma diligência pendente – a perícia nos sistemas de pagamento da Odebrecht (Drousys e MyWebDay) – “não teria o condão de trazer (aos autos) novos elementos probatórios” contra Nunes. Os ministros Edson Fachin e Celso de Mello entenderam que as investigações deveriam seguir na primeira instância, ainda que presumida a inocência do investigado.
“Não se cuida de investigação que venha se eternizando ao longo do tempo. Há fatos graves narrados, em relação aos quais há presunção de inocência, mas de qualquer maneira a investigação traduz dever jurídico do Estado”, disse Celso de Mello em seu voto, por fim vencido. Se 14 meses de investigação não é tempo suficiente para a produção de provas a partir de uma delação premiada, cabe indagar ao decano da Corte Suprema qual seria o prazo de duração de inquérito razoável à luz do ônus material e moral que recai sobre aqueles que têm a espada da persecução estatal pairando sobre suas cabeças.
As investigações da PF em documentos e circuitos de TV dos hotéis onde as propinas teriam sido supostamente pagas tampouco encontraram qualquer registro de pessoas ligadas a Aloysio Nunes ou ao doleiro acusado de intermediar as transações.
A introdução do instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro representou um importante avanço no combate ao crime organizado e à corrupção de agentes públicos. Entretanto, o mau uso do instrumento, que serve tão somente para iniciar uma investigação, e não para selar o destino penal de um cidadão, começa a apresentar uma alta conta ao País. A indistinta criminalização da política encampada por alguns membros do Ministério Público, da Polícia Federal e até do Poder Judiciário – que partem de delações desprovidas de provas para sepultar carreiras políticas numa vala comum – pavimentou a avenida pela qual aventureiros trafegam sem barreiras.
link editorial
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,mais-uma-delacao-vazia,70002564550
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