Se o julgamento do Mensalão, em 2012, serviu para apresentar os ministros do Supremo Tribunal Federal, seus ritos e sessões plenárias às massas, foi em 2017 que a Corte máxima do país finalmente atingiu seu mais alto grau de exposição – e, mais uma vez, graças à política. As informações são de Leonardo Lellis na Veja.
Após as homenagens pela morte de Teori Zavascki em um acidente aéreo em Paraty (RJ), em janeiro, começaram as apostas sobre quem assumiria a vaga aberta no STF e, por consequência, herdaria os processos da Operação Lava Jato distribuídos ao gabinete do ministro, conhecido por sua discrição e firmeza técnica.
O presidente Michel Temer (PMDB) até tentou esvaziar o componente político da indicação e tratou de esperar que o STF decidisse primeiro com quem ficariam os processos da operação. Luiz Edson Fachin transferiu-se, então, para a 2ª Turma, onde Teori tinha assento, e, por sorteio, assumiu a ação que manteria o protagonismo do STF durante todo o ano. Mas o “distanciamento institucional” ficou nisso.
O avanço da política sobre o Supremo voltaria nas semanas seguintes, com a indicação do então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, à cadeira de Teori. Antes de compor o gabinete de Temer, ele havia prestado seus serviços ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB) como secretário da Segurança Pública de São Paulo. Tucano de carteirinha, pediu desfiliação às vésperas de sua posse no STF.
Se a indicação animava desconfianças, justas ou não, sobre a independência do Supremo, o ministro Gilmar Mendes fez pouco caso da saraivada de críticas que passou a receber por seus encontros frequentes com Temer e com parlamentares da base governista fora da agenda oficial. Pelo contrário. Ainda que na função de juiz, ele foi o principal antagonista do Ministério Público Federal no plenário — e fora dele —, enquanto o presidente era acuado por denúncias oferecidas pelo órgão.
Ao mesmo tempo em que a Lava Jato deixava as ruas e ganhava os gabinetes de ministros e desembargadores, multiplicavam-se os atritos entre as instituições. Foi o mesmo Gilmar Mendes quem protagonizou o primeiro choque com a Procuradoria-Geral da República ao criticar os vazamentos promovidos pelo órgão. O então chefe da PGR, Rodrigo Janot, rebateu de imediato, dizendo que o magistrado sofria de “desinteria verbal”.
O atrito não se resumiu ao Supremo e à PGR e atingiu um novo patamar. Reportagem exclusiva de VEJA mostrou que, na maior ofensiva já feita contra a Lava Jato, Temer chegou a acionar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar Fachin. O objetivo era encontrar qualquer detalhe que pudesse fragilizar sua posição de relator da Lava Jato.
A ação foi uma resposta à homologação da delação explosiva dos irmãos Batista, donos da JBS, que jogou o presidente no epicentro da Lava Jato, com gravações comprometedoras, e rendeu a primeira das duas denúncias oferecidas pela PGR contra o presidente — ambas acabaram barradas na Câmara dos Deputados.
Ainda que rescindida depois de identificadas omissões dos empresários no acordo com a PGR, essa mesma delação rendeu o afastamento do cargo do senador Aécio Neves (PSDB), gravado pedindo dois milhões de reais a Joesley Batista para, segundo o tucano, pagar despesas com advogados. O episódio, entretanto, serviu para cristalizar a profunda divisão existente entre os ministros do STF.
As medidas impostas a Aécio, que também estava impedido de sair de casa à noite e teve de entregar seu passaporte à Justiça, reverberaram no Senado, que sinalizou que não aceitaria a decisão da 1ª Turma do Supremo de afastar o senador. Ao retomar uma ação de 2016, o plenário da Corte decidiu que medidas que afetem o exercício do mandato parlamentar devem ser avalizadas pela respectiva casa legislativa.
A votação foi apertada e revelou um padrão nas decisões envolvendo toda a Lava Jato. Votaram contra a possibilidade de o Senado revogar as medidas da Corte os ministros Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Celso de Mello. A divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, a favor da prevalência dos senadores em julgar seus pares, foi seguida por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Coube à ministra Cármen Lúcia desempatar em favor da tese que beneficiou Aécio. Venceu a política.
Corte dividida
A cizânia materializou-se de forma mais aguda no plenário do STF com um bate-boca estrelado pelos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso em um julgamento envolvendo o Tribunal de Contas do Ceará. A discussão desandou para a troca de farpas — mais uma vez com um componente político.
“Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”, disse Barroso a Gilmar em discussão sobre o contexto em que o ex-ministro José Dirceu foi solto pela Primeira Turma. “Tenho esse histórico e, realmente, na Segunda Turma, que eu sempre integrei, temos uma jurisprudência responsável, libertária e não fazemos populismo com prisões”, devolveu Gilmar.
O último episódio a colocar o Supremo em rota de colisão com outro poder da República ficou reservado para o final de 2017, já durante o recesso. Atendendo um pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a ministra Cármen Lúcia suspendeu provisoriamente o indulto natalino da Presidência da República, prerrogativa do chefe do Executivo. O motivo: o decreto colocaria em risco a Lava Jato, extinguindo a pena de condenados por crimes contra a administração pública.
A virada de ano não deve representar, entretanto, uma mudança no cenário de hiperexposição e disputa que se instalou no STF. O próprio decreto de indulto ainda deve ser analisado pelo plenário em fevereiro. Serão retomados também os julgamentos sobre a extensão do foro privilegiado, a prisão em segunda instância e a possibilidade de a Polícia Federal também fechar delações. Apesar do recesso, o ano do Supremo não termina em 31 de dezembro.
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