“Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo” – José Ortega y Gasset
Luiz Claudio Romanelli
O Paraná participou, em 2016, do projeto Vulnerabilidade à Mudança do Clima, iniciativa da Fiocruz em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, financiado com recursos do Fundo Clima, do BNDES. A ferramenta apresenta 67 tipos de informações sobre cada cidade do Paraná, incluindo dados sobre cenários climáticos para o período de 2041 a 2070.
E para quem acredita que a preservação da Amazônia é uma questão distante e que o aquecimento global é uma balela, os dados desse estudo inédito, que avaliou a vulnerabilidade de 399 municípios paranaenses à mudança do clima, irão surpreender.
Segundo a pesquisa, o Paraná poderá apresentar dias mais secos e mais quentes nos próximos 25 anos. Nas regiões norte e nordeste poderá haver aumento de até 5,6°C na temperatura e diminuição de 18% no volume de chuvas. Na capital paranaense e região metropolitana, a temperatura poderá aumentar mais de 3°C no período de 2041 a 2070.
O estudo analisou ainda outros impactos. Entre eles, a proliferação de vetores, como o Aedes Aegypti e, consequentemente, o aumento no número de doenças por causa da elevação da temperatura e a possível diminuição da biodiversidade, em virtude das alterações no ciclo reprodutivo de plantas e animais.
Assim, não podemos ignorar os fatos e fingir que o aumento do desmatamento na Amazônia não nos afeta.
Que a política ambiental do governo para a Amazônia causa preocupação mundial não é de hoje. Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), revelam que o desmatamento da Amazônia aumentou 15% no acumulado em 12 meses.
Somente no último mês de julho, o desmatamento da Amazônia Legal foi 66% maior do que em julho de 2018, chegando a 1.287 km ², segundo o Imazon. Ou seja, 25% do desmate registrado no período foi no mês passado, segundo reportagem do G1.
O governo desdenha dos números do Imazon, do mesmo modo que desdenhou dos números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apontavam crescimento de 15% no desmatamento entre agosto de 2018 e junho deste ano, uma área de 4,565 km2 (o Paraná tem 199.000 km2), ou seja em um ano desmataram o correspondente a 2% do estado do Paraná.
O episódio culminou na demissão de Ricardo Galvão, presidente do Inpe e cientista com reconhecimento internacional. Ele foi corajoso e disse que a tentativa de desqualificar os dados no Inpe era uma atitude pusilânime e covarde.
A controvérsia causou repercussão internacional. A revista britânica “The Economist” fez uma edição dedicada à Amazônia em que relata a aceleração do desmatamento e critica o governo brasileiro.
A revista sugere um boicote a produtos brasileiros produzidos na região desmatada. “O desmatamento descontrolado pode acabar prejudicando os agricultores brasileiros se isso levar a boicotes estrangeiros de produtos agrícolas brasileiros. Os brasileiros comuns devem pressionar seu presidente para reverter o curso. Eles foram abençoados com um patrimônio planetário único, cujo valor é intrínseco e sustentador da vida, tanto quanto é comercial. Deixá-lo perecer seria uma catástrofe desnecessária”, diz a revista.
As revistas científicas renomadas, Nature e Science e os jornais The New York Times e The Guardian também fizeram reportagens sobre o assunto.
Em artigo publicado na revista Foreign Policy, Stephen M. Walt, professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, questiona “Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?”, em que aponta a possibilidade de sanções comerciais ao país se a devastação na região não for contida. “O Brasil está de posse de um recurso global crucial – por razões puramente históricas – e sua destruição prejudicaria muitos estados, se não o planeta inteiro”. diz ameaçador.
As sanções já começaram. Em 10 de agosto a Alemanha anunciou o congelamento de 155 milhões de reais para o Fundo Amazônia. Na quinta-feira passada foi a vez da Noruega anunciar que também bloqueará uma verba de mais de 133 milhões de reais para o fundo gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Mais do que essas sanções, o que me preocupa é o posicionamento anticiência e ideológico do governo- que na prática incita a ação dos desmatadores.
O governo precisa agir com bom senso e racionalidade. Precisa se pautar em critérios científicos e agir de forma integrada com os governos dos países que compartilham a Amazônia internacional (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela). Não adianta defender a exploração sustentável da floresta, é preciso estudar, planejar e definir como isso será feito. Substituir as árvores por pasto ou soja obviamente que não é solução.
A Amazônia tem a maior biodiversidade do mundo e é de vital importância para o clima pluviométrico brasileiro e para a agricultura. A floresta tropical é um regulador de temperatura, uma fonte essencial de água e um importante sumidouro de carbono, além de regular os rios voadores – responsáveis por incorporar a umidade que evapora da floresta amazônica e que por meio de um fenômeno físico, promove chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, além de Bolívia, Paraguai e Argentina. Sem essa umidade, o centro-sul brasileiro seria alguma coisa parecida a um deserto. A Região Nordeste, apesar de ser o berço do rio aéreo amazônico, pouco se beneficia do mesmo.
O volume de água evaporada lançado na atmosfera pela floresta é de aproximadamente 20 trilhões de litros diários. De acordo com o projeto, a estimativa é de que a Amazônia tenha aproximadamente 600 bilhões de árvores. “Rios voadores é um nome poético, que ajuda as pessoas entenderem como a umidade da floresta pode influenciar a ocorrência das chuvas”, explicou o professor Enéas Salati da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós.
Cerca de 40% do volume evaporado sai da região amazônica para formar os rios voadores. Além da influência das massas de ar e dos ventos, o fluxo do “rio voador” desce em direção ao Sul por causa da Cordilheira dos Andes, que funciona como uma barreira natural.
Entre as cidades monitoradas pelos pesquisadores está Londrina, onde foram registradas a passagem de 65 rios voadores em 2015, segundo dados do Projeto rios Voadores (http://riosvoadores.com.br/o-projeto/).
Se considerarmos que 95% dos agricultores trabalham sem irrigação mecânica e dependem exclusivamente da chuva para sucesso de sua colheita; que o agronegócio emprega 840 mil pessoas e é responsável por 70% das exportações do Paraná, algo em torno de US$ 14 bilhões por ano, segundo os dados da Secretaria da Agricultura e Abastecimento.
O Paraná é o terceiro estado em valor bruto da produção agrícola do país, com R$ 69,9 bilhões, o que indica que somos altamente dependentes da estabilidade climática e podemos sofrer severos prejuízos se não nos ocuparmos desse tema.
Portanto fica o alerta, defender a floresta amazônica contra o desmatamento não é coisa de comunistas, mas poderá ser tarde demais quando os agricultores paranaenses descobrirem que o risco da devastação significa ao clima e as suas lavouras, muito mais que as ervas daninhas.
Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual pelo PSB do Paraná.
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