por Josias de Souza
Uma característica curiosa do submundo da corrupção se observa nas empresas. As organizações corruptas estão sempre nos outros escritórios. Outra excentricidade se manifesta quando uma logomarca é pilhada no contrapé. A culpa é sempre do funcionário, jamais da empresa que lhe paga o salário.
Em 2000, o Brasil tornou-se signatário de uma convenção contra o suborno transnacional. A peça é patrocinada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Congrega 34 países, entre eles os EUA e nações européias.
Ao aderir ao documento, o governo brasileiro obrigou-se a incluir no ordenamento jurídico do país uma lei anticorrupção. Coisa destinada a punir empresas que recorrem ao suborno para fechar negócios no Brasil e no estrangeiro.
Só depois de uma década, em 2010, o Planalto enviou ao Congresso o prometido projeto de lei. Elaborou-o a Controladoria Geral da União, em trabalho conjunto com a Agvocacia Geral da União e a Casa Civil. Já lá se vão dois anos. E nada.
Os repórteres Vinicius Sassini e Roberto Maltichik foram verificar o que se passa. Constataram que a proposta, pronta para ser votada desde setembro do ano passado, empacou numa comissão especial da Câmara. Em privado, os deputados declaram-se assediados por um lobby de empreiteiras.
Integram a comissão 25 deputados. Pelo menos 18 receberam doações de construtoras em suas campanhas. No oficial, coisa de R$ 4,1 milhões. O lobby contra o aperfeiçoamento da legislação potencializou-se depois que a construtora Delta foi varejada no escândalo Carlinhos Cachoeira. Cresceu um pouco mais após as sentenças condenatórias do STF no julgamento do mensalão.
Hoje, a legislação brasileira contra os crimes de corrupção preserva as empresas. Quando, de raro em raro, um malfeito é convertido em processo, as leis disponíveis alcançam no máximo os funcionários pilhados pagando propinas. Contra as empresas, as punições possíveis restringem-se à esfera administrativa. No caso da Delta, campeã de contratos no PAC, a Controladoria Geral da União declarou-a inidônea para transicionar com o Estado.
Destravando-se o projeto, as regras do jogo mudariam. A proposta prevê, por exemplo, a imposição de multas às empresas que subornarem servidores, fraudarem licitações ou beliscarem prorrogações ilegais de contatos –20% sobre o faturamento bruto no exercício anterior ao da instauração do processo. Na impossibilidade de calcular a multa sobre o faturamento, a pena poderia chegar a R$ 6 milhões.
Além da declaração de inidoneidade, o projeto facilita a recuperação de verbas desviadas e abre a perpectiva de extinção da empresa após sentença judicial condenatória. A nova lei não é garantia de solução. Mas sem ela o Brasil passa a impressão de que não enxerga nem o problema.
A demora na tramitação do projeto já impõe constrangimentos na OCDE. No último dia 8 de outubro, reuniu-se em Paris o grupo de trabalho da entidade que acompanha a implementação da convenção subscrita pelo governo brasileiro em 2000. Presidente do grupo, Mark Pieth disse que o Brasil corre o risco de descumprir os compromissos que assumiu.
E daí? Bem, a OCDE cogita recomendar a empresas de seus países-membros que se abstenham de fazer negócios no país. Entre todas as nações que firmaram a convenção, apenas Brasil e Argentina não dispõem de leis anti-empresas corruptas. O ministro Jorge Hage, chefe da Controladoria Geral da União, resume a cena:
“A aprovação desse projeto dará ao poder público um instrumento muito mais eficaz para se defender das empresas fraudadoras e desonestas, alcançando-as naquilo que lhes é mais sensível, o patrimônio. A lei vai retirar o Brasil da desconfortável situação de devedor inadimplente de uma obrigação solenemente assumida quando ratificou a Convenção da OCDE contra o Suborno Transnacional”.
Relator do projeto na Câmara, o deputado Carlos Zaratini (PT-SP) trabalha com a perspectiva de levar seu relatório a voto na comissão em 15 dias. “Vamos fazer uma reunião em duas semanas para votar o projeto, mesmo sem acordo. Vamos votar, se houver quorum.” A menção ao quórum não é gratuita. Abstendo-se de comparecer à comissão, os adversários da proposta impedem a votação.
Contra o relatório de Zaratini, encontra-se sobre a mesa um texto mais brando. Elaborou-o Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um deputado que é precedido pela fama. “É preciso definir melhor o limite da responsabilidade. A empresa não pode ser responsabilizada, por exemplo, por um ato individual de um office-boy que não tenha tido o conhecimento da direção”, diz ele.
Pelo regimento, a comissão especial da Câmara opera em regime terminativo. Significa dizer que, na hipótese de aprovação, o projeto seguiria direto para o Senado. A menos que um requerimento subscrito por 52 deputados exija que a proposta seja submetida também ao plenário da Câmara, um colegiado onde o lobby empresarial fala alto.
– Ilustração via blog do Guto Cassiano
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