Pouca atenção os membros do MPF têm dado à investigação dos crimes envolvendo o dinheiro de particulares
Com alguma frequência, o trabalho do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato tem sido questionado por supostos excessos no modo de conduzir as investigações. Mais do que pelo trabalho em si dos investigadores – que tem encontrado o necessário respaldo do Poder Judiciário –, tais críticas surgem muitas vezes por ocasião de declarações de alguns membros da força-tarefa, que dão a entender que o combate à corrupção aconselharia relativizar garantias processuais. A ideia corrente é de que a Lava Jato seria extremamente positiva para o País, merecendo apenas alguns reparos por eventuais excessos.
Que a Lava Jato seja uma coisa boa para o País, revelando importantes crimes, é inegável. Não há como não aplaudir a investigação da teia de relações promíscuas entre estatais, grandes empreiteiras e políticos. A questão é que não são apenas os supostos excessos da operação a merecerem reparo. Há também uma limitação no foco do trabalho da Lava Jato, com desastrosas consequências para o País.
Como apontou a professora Érica Gorga, no Fórum Equilíbrio Entre Poderes – realizado pelo Estado, FecomercioSP e consultoria Tendências –, os trabalhos da Operação Lava Jato têm se dirigido de forma quase exclusiva contra os crimes cometidos contra o dinheiro público, mas pouca atenção os membros do MPF têm dado à investigação dos crimes envolvendo o dinheiro de particulares. Ao tratar das investigações envolvendo a Petrobrás, a professora Gorga destacou, por exemplo, a omissão em relação aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Como prevê a Lei 7.492/1986, cabe ao MPF propor a ação penal relativa a esses crimes.
Esse modo de proceder, perseguindo apenas os crimes contra o dinheiro público, tem importantes consequências sociais e econômicas. Essa limitação de foco faz parecer que as instituições estão preocupadas tão somente com o Estado – com o aparelho público –, o que fomenta a percepção de insegurança jurídica. Qual investidor aplicaria num país que não se preocupa com o cumprimento da lei, mas tão somente com a lei que afeta diretamente o Estado?
A limitação do comportamento do MPF é mais visível quando se compara com a atuação de outros países, como, por exemplo, os Estados Unidos. Lá, as autoridades públicas reagiram com diligência para investigar os efeitos sobre os particulares causados pelos conluios envolvendo a Petrobrás. Não havia dinheiro público norte-americano envolvido, mas o poder público entendeu que o problema não se resumia a desvio de recursos públicos. A preservação de um saudável ambiente de negócios impunha a investigação de crimes contra particulares. Tal diligência acarreta fenômeno inverso ao que se vê aqui – os eventuais escândalos, em vez de afastarem investidores, apenas reforçam a confiabilidade das suas regras, pois dão ocasião ao fortalecimento da lei.
A crítica a essa omissão do MPF em nada se assemelha, como pretendem alguns desavisados, a uma variação da apropriação indevida do Estado para fins particulares. É justamente o oposto. Nesses crimes contra particulares há importantes bens públicos envolvidos. Basta ver que, como aqui lembrado, os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são de ação pública.
Com razão, o Ministério Público vincula a importância de seu trabalho à Constituição de 1988, que o consagrou como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Trata-se, sem dúvida, de uma posição de especial importância institucional, cujo trabalho tem efeitos sobre toda a sociedade.
Justamente por isso, é grave o fato de o MPF limitar o âmbito de suas investigações a um único gênero de crimes. A Constituição determina que o seu trabalho seja mais amplo, defendendo não apenas o Estado, mas a ordem jurídica. Se apenas perseguisse os crimes contra o dinheiro público, como às vezes parece ocorrer com a Lava Jato, o MPF incorreria no risco de uma atuação não isenta, arbitrando o que deve e o que não deve investigar. Nesse caso, já não estaria no campo do Direito, mas no da política, deixando de ser uma instituição de Estado, para se transformar em simples corporação. Mais do que nunca, o País precisa de um Ministério Público à altura de suas competências constitucionais.
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