O debate sobre a legalização de algumas drogas e substâncias psicoativas tem crescido no Brasil nos últimos anos. A despeito de toda a polêmica natural que traz o assunto, o questionamento principal que se faz é: será que realmente vale a pena?
Em primeiro lugar, é dever dos profissionais de saúde almejar a redução do impacto que tem o uso de drogas, seja de forma ampla na sociedade ou individualizada, em pessoas em risco ou já em uso dessas diferentes e diversas substâncias. Como na maioria de áreas de atuação, a prevenção tem sempre o melhor custo-benefício, ou seja, evitar o surgimento de um novo usuário, independentemente de a substância em questão ser legalizada ou não. O que vale também para os demais comportamentos aditivos.
O momento mais delicado desta prevenção é a adolescência. O risco de um uso eventual virar dependência nesta fase é muito grande, pois se trata de um cérebro ainda em desenvolvimento, ávido por novas experiências, que aprende mais facilmente a necessidade de se ter uma substância psicoativa, criando certa memória neuroquímica e afetiva, que perdura por toda a vida. Cérebro que tem, também, a maturação desregulada pelo uso desta mesma substância.
Alguns aspectos devem ser levados em conta quando se fala em prevenção, como o fácil acesso, tanto em relação à compra quanto ao preço. Outro quesito importantíssimo é a percepção de risco. Estudos apontam que quanto menor a percepção de risco da população sobre determinada substância, maior o uso. Não é à toa que álcool e tabaco são as substâncias mais utilizadas no mundo. Ambos reúnem os dois primeiros aspectos.
Políticas públicas até obtiveram algum sucesso na redução do uso do tabaco no Brasil, principalmente no surgimento de novos usuários, na década passada, com campanhas de conscientização e restrição ao acesso, mas perderam fôlego, acendendo o alerta da importância de que essa luta seja perene.
No debate sobre a legalização de drogas, frequentemente se alega que a regulamentação seria benéfica para a redução do uso, utilizando impostos para campanhas educativas e equipamentos de saúde, reduzindo a criminalidade associada ao tráfico. No entanto, o que se observa é que, na maioria dos locais onde as substâncias foram legalizadas, ocorreu uma tendência de aumento do número de novos usuários e os problemas não diminuíram. Ao contrário, por vezes aumentaram.
Para que o imposto arrecadado seja o mínimo suficiente para a criação de campanhas e de equipamentos de saúde, a substância legal acaba se tornando muito mais cara que a ilegal, pouco afetando a criminalidade. Dessa forma, quando uma substância psicoativa tem a chancela da legalidade pelo Estado, ocorre a facilitação do primeiro acesso e se reduz a percepção de risco, uma receita perigosa para o surgimento de novos usuários. É esse público que, com o tempo, aumenta o consumo e busca a substância no mercado ilegal, mais barato.
É inocência acreditar que no Brasil o acesso às substâncias ilegais seja difícil ou seria dificultada pela legalização das drogas. Em poucos minutos se consegue ter acesso a uma enorme quantidade e variedade de drogas, às vezes sem sair de casa. Da mesma forma, é argumento inocente que a legalização irá acabar com os problemas relacionados ao uso de substâncias, ou mesmo que um dia isso irá ter fim, embora desejável. O que podemos fazer é trabalhar para reduzir esse problema.
Os países que mostram dados mais robustos e eficazes em relação à redução do uso de substâncias (novamente, as legais e as ilegais) e a suas consequências na sociedade são aqueles que seguem o seguinte modelo: prevenção fortíssima para se evitar o surgimento de novos usuários; tratamento em saúde amplo e eficaz daqueles que se tornaram dependentes que visa à abstinência, e não a troca por outra substância supostamente menos danosa; responsabilização pelo porte de substâncias ilegais, o que não significa aprisionamento, mas sim outras medidas jurídicas e/ou administrativas (fato que se aplica também em medidas restritivas às substâncias legalizadas); e, por fim, repressão ao tráfico e contrabando, pois com pouca substância circulando no país, invariavelmente o preço sobe e o acesso diminui. Estes últimos ficam a cargo dos especialistas em segurança pública. Entretanto, cabe a todos a prevenção, e principalmente o cuidado especial com os jovens adolescentes, justamente a fase mais perigosa e a mais suscetível à desinformação.
Marcelo Daudt Von der Heyde, médico psiquiatra, é preceptor da residência médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor de Psiquiatria da PUC-PR e diretor-secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria (Appsiq).
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