Editorial, Estadão
A Operação Lava Jato e o que ela simboliza, o combate implacável à corrupção, estão ameaçados. As investigações que se intensificaram nos últimos dois anos e pouco, e resultaram na condenação de políticos, funcionários de estatais, dirigentes de empresas privadas e operadores financeiros, agora começam a expor importantes figurões da política, personagens que até pouco tempo atrás eram considerados intocáveis. Como a toda ação corresponde uma reação oposta da mesma intensidade, na medida em que as investigações os atingiram em cheio os políticos sob suspeição tornaram-se os principais adversários da Lava Jato. Sua reação está em pleno curso. Com a circunstância agravante de que são eles que têm poder para impor restrições legais à atuação da Lava Jato.
Até como consequência da crescente abrangência de suas investigações, a Lava Jato está cada vez mais sujeita a controvérsias resultantes de procedimentos passíveis de contestação e eventuais falhas operacionais cometidas por seus agentes: policiais, procuradores e juízes federais. Essas controvérsias se concentram em duas questões principais: o instituto da delação premiada e as denúncias de abuso de autoridade. É a partir daí que surgem os pretextos para acabar com a “sangria” nos negócios políticos que provocam a indignação do notório senador Romero Jucá (PMDB-RR). Muitos políticos defendem também a revisão, pelo STF, da decisão que determinou a obrigatoriedade do cumprimento das penas de prisão a partir de sentença de segunda instância.
Tanto a delação premiada, responsável em grande parte pelo sucesso da Lava Jato em suas investigações, quanto o abuso de poder por juízes, procuradores e policiais são questões que precisam ser levadas a sério e corrigidas sempre que for o caso. É claro que o poder de magistrados e investigadores não se pode sobrepor à lei. Mas é óbvio também que essas questões são frequentemente mero pretexto para proteger corruptos ou preservar interesses corporativos.
O fato é que, como ficou sobejamente demonstrado pelas escutas telefônicas feitas pelo delator Sérgio Machado, ex-senador e ex-presidente da Transpetro, importantes líderes políticos – no caso, peemedebistas, como o delator – não se conformam com a possibilidade cada vez mais próxima de virem a ser julgados por corrupção e estão de alguma maneira se articulando para promover um “acordão” que os livre da cadeia.
Além de restrições à delação premiada e a imposição de controle mais rígido sobre o poder dos juízes criminais de primeira instância e investigadores, circula nos meios políticos a ideia extravagante da criação do acordo de leniência – em moldes similares ao que já existe para as empresas – também para os partidos. Muitos consideram um acordo dessa natureza indispensável à sobrevivência dos partidos políticos, pois julgam inevitável que as legendas venham a ser obrigadas a restituir valores altíssimos aos cofres públicos, como já aconteceu com o PT, multado em R$ 23 milhões, pelo TSE, no caso do mensalão.
De acordo com o que apurou o jornalista Raymundo Costa, em matéria publicada pelo Valor, cresce em Brasília a disposição das lideranças partidárias de estabelecer um “acordão”, respaldado por uma regulamentação legal adequada, que a partir de determinado momento estabeleça um divisor de águas entre o passado e o futuro, respeitando as condenações judiciais até então tomadas ou na iminência de sêlo e deixando o resto como está, mais ou menos na base do “o que passou passou”. Esse é um entendimento que, em princípio, atende aos interesses de todas as legendas partidárias, principalmente as maiores e, de modo especial, o PT, cujas lideranças estão ávidas pela oportunidade de zerar seu enorme déficit político e começar tudo de novo.
Um arranjo dessa natureza dependeria de os políticos se entenderem a respeito. Uma coisa seria capaz de evitálo: a justa indignação das pessoas de bem do País expressa num clamor popular contra essa obscenidade.
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